D. Diogo Bragança ( Lafões )
Conta-se
que alguém perguntou um dia ao VI Comandante d’Abzac “ Ecuyer en Chef ” da
escola de Versailles, tendo ele na ocasião mais de 80 anos, qual a sua opinião
acerca do irmão como cavaleiro, poucos anos mais novo, ao que ele respondeu :
Começa agora a montar a cavalo.
É na
esperança que o leitor desculpe as faltas que vai encontrar neste trabalho, que
lembrei a dificuldade que há em se chegar a saber algo de equitação, contando
esta resposta da d’Abzac que dizia aprender todos os dias ainda alguma coisa
desta arte.
O que
vai ler-se não constituí um método de equitação, não são lições nem conselhos,
que só poderiam ser dados por um mestre com longa prática, e não por alguém que
mal começou a dar os primeiros passos numa arte que tem tantos escolhos a vencer.
As
páginas que se seguem só por má compreensão poderiam ser consideradas como um
ensinamento, quer pelo autor ou por outrem, visto que apenas encerram as
considerações de ordem geral que todo o estudioso, velho ou novo, deve saber
formular do muito ou do pouco que aprendeu com os professores, os cavalos e os
livros da especialidade e que tão necessárias se mostram a uma formação
equestre bem conduzida.
Para
montar bem a cavalo e levar este a um ensino correcto, o cavaleiro tem que
pensar muito, mas é preciso que os seus raciocínios se baseiem em princípios
sãos e ideias claras.
O
método deste trabalho é como todos os métodos, muito discutível, o pior é que
nos temas principais estão intercalados outros de ordem secundária, mas
julgámos interessante falar nestes, visto não serem menos apaixonantes e não
hesitamos em faze-lo, só porque não vinha muito a propósito.
Quanto
às ideias expressas, poucas são originais, mas para todas houve a preocupação
de as justificar à face da doutrina dos grandes mestres, constituindo esta
atitude de seriedade uma das poucas qualidades deste opúsculo.
Como
muitos conceitos expostos foram interpretados de modo diverso do original, por
vezes até com o intuito de servirem ideias equestres diferentes, parece
oportuno que se lembre aos esquecidos, e ensine aos que não sabem, o
significado primitivo dos conceitos, a razão dos processos e a finalidade que
se procurava atingir com a sua aplicação. Claro que isto nada tem que ver com a
fraca competência do autor como “ écuyer ”.
Pode
parecer estranho que numa época em que quase só se monta para saltar, correr,
jogar “ polo ” e fazer “ raids ” haja quem se preocupe com os problemas
fundamentais da Alta Escola, como se costuma dizer " em equitação tudo
está escrito ”. Porém a todo o momento se ouvem sobre ela as ideias mais
estranhas e pouco fundamentadas, …do que se conclui os livros ficaram fechados
nas estantes.
Não
escrevemos com o intuito de vir a ser uma excepção à dita regra, tanto mais que
este género de trabalhos interessa apenas ao estudioso da Arte Equestre, pois
só ele poderá refutar conscientemente as ideias expressas, que na maioria são
as dos mestres considerados “ Clássicos “.
Ao ver
que na minha geração de cavaleiros ainda há uns quantos que nos interessámos
pela equitação de escola e que a nós compete cultiva-la e expandi-la a fim de a
engrandecer, animado por isso, publico o presente escrito reconhecendo todos os
perigos e as ilusões que traz a equitação dos “ verdes anos “. Ele representa
apenas o estudo de um iniciado, que pretende incitar os outros iniciados ao
estudo e trabalho equestres.
Prefiro
ter que rever um dia as minhas ideias à face duma experiência maior, que deixar
de contribuir, patenteando que na minha geração ainda há quem se interesse
pelos problemas do ensino do cavalo, para que a equitação académica se valorize
através dos ensinamentos, discussões e criticas, a que a leitura deste trabalho
pode dar origem.
É na
esperança de que alguns jovens como eu se podem entusiasmar ainda com a prática
da equitação de escola, que venho trazer a minha parca contribuição e saudar
com simpatia, agradecendo desde já, as críticas construtivas de quem fizer o
favor de considerar o presente escrito como seu objecto.
Todos
queremos aprender, mas é preciso que os que nos podem ensinar, saibam que ainda
há quem os escute e por minha parte julgo demonstrar nas páginas que se seguem
todo o desejo de me elucidar sobre uma arte a que já se chamou “ équitation
savante ”, pois os seus mais altos valores só se alcançam à custa de anos de
trabalho metódico e paciente, de estudo perseverança e profundo propósito de
cada vez aperfeiçoar mais o tacto equestre que levará o cavaleiro à prática da
verdadeira arte.
Se as
omissões, as ideias precipitadamente aceites, os critérios pouco fundamentados
do trabalho que vai ler-se , se conseguirem acender as discussões sobre a “
Nobre Arte ” dando-lhe novos adeptos e algum entusiasmo, sentir-me-ei
compensado e até certo ponto justificado, de ter feito aparecer este trabalhos
sobre o ensino académico do cavalo.
Atendendo
às páginas que vão ler-se, poderá parecer escusado o resumo feito dos processos
empregados pelos dois grandes sistemas de equitação, a Escola antiga e o
Baucherismo, porém os equitadores lidos saberão como remediar as deficiências
deste estudo, enquanto os menos conhecedores poderão fazer uma ideia do que
eles representaram na história da Arte Equestre.
A
originalidade de certos conceitos tais como a árvore figurativa da equitação,
as características dela, os princípios em que se desdobra o pensamento
Baucherista de equitação de escola, etc…é apenas relativa, visto que deriva das
concepções apresentadas nas obras dos maiores “ écuyers ”.
Pode
parecer audaciosa a critica feita à maneira como são julgadas as provas de
ensino da F.E.I. porém entendemos não ser melhor calar o que sentimos a respeito
da classificação destas “ reprises ” visto que elas contem as directrizes que
orientam a equitação académica contemporânea.
Por
outro lado julgamos interessante apontar as qualidades e os defeitos da
equitação praticada em Portugal, tradicionalmente aplicada em grande parte ao
toureio a cavalo, por haver em nós a consciência do seu real valor, pois
entendemos que ela é a única actividade em que a Alta Escola tem aplicação
prática nos nossos dias.
Eis
aqui mais um problema focado e como para todos os outros, expusemos a nossa
opinião baseada nas regras da equitação de escola e no caso do toureio a
cavalo, isto quer dizer que nos interessou o problema da preparação do cavalo
para esse fim e não a sua actuação directa perante o toiro.
Não sei
quantos ramos de equitação serão susceptíveis de formar uma classificação que
pretenda ser exaustiva, visto me parecer, por um lado, que não será fácil saber
as múltiplas actividades a que se aplica o cavalo em todo o mundo e por outro,
essa classificação se fosse possível faze-la, não teria grande interesse dado
que só alguns ramos dela têm uma especialidade que convém estudar a fundo.
Há quem
considere a Alta Escola ou Equitação Académica como um conjunto de determinados
exercícios ou ares, a “ passage ” o “ piaffer ” o galope no mesmo terreno etc…,
como estamos habituados a ouvir quando se diz que “ tal cavalo está ensinado em
Alta Escola ” por executar alguns deles. Não concordamos com esta concepção
visto a característica da Equitação de Escola se encontrar mais na qualidade de
certo exercício, do que no maior efeito espectacular de determinada atitude.
Outros
entendem que ao lado da equitação de tiro, de corridas, de obstáculos, de polo,
de toureio, a equitação académica aparece como um ramo distinto e completamente
separado dos acima enumerados e que são os mais vulgares.
Também
não me parece que assim seja, desde que se entenda que à equitação de escola
compete estudar os problemas de locomoção e a intervenção dos diversos músculos
e articulações que o cavalo põe em jogo nos seus andamentos naturais.
Na
verdade a equitação académica comporta, não só um aspecto artístico mas também
cientifico e é este último que pertence a todos os ramos da equitação.
Diz “
Licart ” na “ Equitation Raisonée ” que a “ Arte ” de saber fazer, domínio do
artífice e a arte da estética, domínio do artista, encontram-se na equitação.
Arte e ciência completam-se. Se a arte chega por si só para se produzir, a
ciência é necessária para instruir.
Na
verdade a equitação “ Arte Científica ” é uma “ aplicação de ciências diversas
” como diz o mesmo autor que não faz mais que concordar com “ Gustave Le Bon ”
quando afirma que “ só a sábia equitação, baseada em princípios científicos,
pode permitir a formulação das regras da equitação por mais banal que seja.
Logo que, por exemplo, consigo alongar o passo dum cavalo, impedi-lo de dissociar o trote, aumentar a extensão da sua passada e a sua velocidade, impedi-lo de tropeçar constantemente, substituir um galope de reações muito duras por um galope cómodo, só faço aparentemente uma equitação correntíssima, mas os meios empregados são deduzidos de princípios tirados de uma equitação muito esclarecida.
Logo que, por exemplo, consigo alongar o passo dum cavalo, impedi-lo de dissociar o trote, aumentar a extensão da sua passada e a sua velocidade, impedi-lo de tropeçar constantemente, substituir um galope de reações muito duras por um galope cómodo, só faço aparentemente uma equitação correntíssima, mas os meios empregados são deduzidos de princípios tirados de uma equitação muito esclarecida.
“
Compreende-se que assim tem de ser, pois todos os andamentos naturais no cavalo
em liberdade, tornam-se artificias sob o peso do cavaleiro e este tem de saber escolher
atitudes menos fatigantes para a sua montada.
Se o homem não intervém, o cavalo escolherá a posição que lhe parece ser a que menos o cansa de momento e assim o animal que inteligentemente montado fornece dez anos de serviço, durará somente cinco, com numerosas taras, comprometendo a sua solidez, se for mal montado. “ Prefácio de “ Equitation Actuelle et ses Principes ”.
Se o homem não intervém, o cavalo escolherá a posição que lhe parece ser a que menos o cansa de momento e assim o animal que inteligentemente montado fornece dez anos de serviço, durará somente cinco, com numerosas taras, comprometendo a sua solidez, se for mal montado. “ Prefácio de “ Equitation Actuelle et ses Principes ”.
Daqui
concluímos que a equitação de escola tem dois aspectos a considerar, o
cientifico e o artístico.
O primeiro é um conhecimento que se obtém pelo estudo e pela prática, podendo qualquer cavaleiro de tacto normal adquiri-lo.
O segundo é praticamente inexplicável e só o alcança o cavaleiro de veia, de sentido artístico elevado e é com ele, esclarecendo a ciência equestre que também teve de estudar, que aborda as dificuldades da Alta Escola.
Consideremos a equitação académica no seu aspecto científico como o tronco comum da árvore da equitação. Assim os seus ramos inserem-se nele conforme participam mais ou menos da ciência equestre e por isso a equitação de tiro e de corridas nascem muito em baixo visto que pouco necessitam dela, enquanto a de obstáculos e de toureio entroncam mais acima do caule desta planta figurativa, pois precisam de uma grande instrução de equitação de escola no seu aspecto científico, antes de abordarem os seus problemas próprios, os obstáculos e o toiro.
O primeiro é um conhecimento que se obtém pelo estudo e pela prática, podendo qualquer cavaleiro de tacto normal adquiri-lo.
O segundo é praticamente inexplicável e só o alcança o cavaleiro de veia, de sentido artístico elevado e é com ele, esclarecendo a ciência equestre que também teve de estudar, que aborda as dificuldades da Alta Escola.
Consideremos a equitação académica no seu aspecto científico como o tronco comum da árvore da equitação. Assim os seus ramos inserem-se nele conforme participam mais ou menos da ciência equestre e por isso a equitação de tiro e de corridas nascem muito em baixo visto que pouco necessitam dela, enquanto a de obstáculos e de toureio entroncam mais acima do caule desta planta figurativa, pois precisam de uma grande instrução de equitação de escola no seu aspecto científico, antes de abordarem os seus problemas próprios, os obstáculos e o toiro.
Por
fim, como copa da árvore teremos a equitação académica no seu aspecto
artístico, cujas características próprias estudaremos no capítulo seguinte.
Quando
dizemos que a equitação é comum em maior ou menor grau a todos os ramos de
aplicação do cavalo, referimos apenas ao que ela tem de cientifico, visto o
seu aspecto artístico ser o que realmente a torna superior a todas as outras
formas de equitação, constituindo aquilo a que se chamou a “ Nobre Arte ”.
Autores
há que só dedicam a sua atenção ao aspecto artístico e outros só ao científico,
mas a relação dos dois tem de existir sob pena de não se compreender
profundamente o significado da equitação de escola. Foi atendendo à ciência
equestre que “ Gustave Le Bon ” esse experimentador incansável em tantos campos
e filósofo dos maiores, escreveu : “ La Haute-École, celle de l’avenir surtout,
est la base même de l’equitation et non pas son cournonnement comme on le dit
fréquemment ”.
Julgo
que a primeira parte desta frase não exclui a segunda e é juntando ao
conhecimento científico os primores de arte que “ Pellier Fills ” focando o
último destes aspectos escreve : “ La Haute École n’étant pour ainsi dire que
l´extension et la pratique perfectionnée des principes qui servent de base à
l’équitation en général, nous l’appellerons, pour parler avec exactitude,
équitation rassemblée.
Parte II
Características da Equitação de Escola
Começaremos
por distinguir as qualidades que o animal deve ter para ser submetido à fase do
ensino, das que constituem requisitos próprios desta fase mais adiantada. As
primeiras, pressupostos das segundas, podem enumerar-se segundo a trilogia
correntemente adoptada, isto é o cavalo deve estar calmo, impulsionado e
direito, quando o período de desbaste e o da baixa escola terminou.
Analisando
agora os requisitos do ensino académico propriamente dito, isto é aqueles
elementos que caracterizam a boa equitação de escola, diremos que são : O “
Ramener ” o “ Rassembler ” a flexibilidade e a ligeireza.
Adotando
estes requisitos específicos não esquecemos os pressupostos enumerados aos
quais se terá de voltar constantemente, pois com as novas exigências da
equitação superior, o animal que estava calmo, impulsionado e direito, pode
começar a perder algumas dessas qualidades. Às vezes passa-se a vida inteira
dum cavalo a tentar endireitá-lo.
Julgo
porém que essas três características são comuns a todos os ramos da equitação e
desde logo não as podemos considerar como específicas da equitação académica e
o facto de muitas vezes se ter que voltar a insistir nessas qualidades
primárias, tem a mesma explicação do aluno do 5º ano de matemática que por
vezes tem que rever as noções basilares do 1º ou 2º anos e contudo isto não
quer dizer que o programa do 5º ano não seja específico, apenas pressupõe
certas ideias anteriores sobre as quais se apoia e que terão de ser lembradas
sempre que isso for necessário.
Capítulo I
O “ Ramener ”
Chama-se
“ Ramener ” à posição vertical do ou próxima da vertical do chanfro do cavalo,
acompanhada de elevação máxima do pescoço. O ideal será que ele dobre pelas
duas primeiras vertebras, ficando o focinho do animal na mesma linha da
articulação da coxa e não da ponta dela como se confunde muitas vezes.
Esta
definição contem em si um fim difícil a atingir, e às vezes mesmo impossível,
dado que nem todos os cavalos são susceptível de tomar esta atitude, por isso
se fala da verticalidade da cabeça ou posição aproximada e se recomenda a
atitude de pescoço mais alta possível em cada caso.
Muito é
de espantar a afirmação de quase todos os autores, de que a cabeça deve
colocar-se na vertical ou para além da vertical, considerando como defeituosa
em todos os casos a posição aquém da vertical. Julgo existirem cavalos em que
esta atitude tão geralmente condenada é a mais favorável para um trabalho
correcto.
Se um
indivíduo de ganacha bem desenhada deve ser trabalhado alto e para além da vertical, a fim de evitar o
encapotamento, um outro que tenha mais pernas e mau rim, deve ser colocado
aquém dela a fim de lhe aliviar o quarto traseiro, que de outro modo pode ficar
esmagado.
Eu bem
sei que os livros falam para os cavalos perfeitamente constituídos, mas na
prática aparecem casos que terão de ser resolvidos por esta última
maneira,…quando não há dinheiro para lhes dar a solução de um cavalo melhor.
A
justificar a necessidade do “ ramener ” como requisito da equitação de escola
resumimos a seguir as suas vantagens :
1º Facilita a entrada dos posteriores,
aliviando o postemão.
2º O “
ramener “ acompanhado da descontracção do maxilar faz com que todas as acções da
mão se transmitam às outras partes do corpo e vice-versa predispõe a boca a
receber a impulsão que vem de trás e todas as acções das pernas.
3º A posição
na vertical ou aquém dela, mesmo não acompanhada da descontracção da maxila,
facilita a regularização dos andamentos e por saberem isso, os equitadores do
circo apertam violentamente as rédeas fixas até que a atitude pretendida se
torne normal e os andamentos se cadenciem.
4º O “ ramener ” é indiscutivelmente
um meio extraordinário de domínio, quer obtido delicadamente pela mão e
acompanhado da descontração da maxilar, que forçado pelas rédeas fixas
brutalmente apertadas como nos circos ou trabalho de pilões, ou ainda pelo
vigor das pernas do cavaleiro empurrando sobre o freio contra o qual as
resistências se vão quebrar. ( BEUDANT
Souvenirs Equestres, pág. 52 ).
Citemos
ainda algumas opiniões de grandes “ écuyers acerca do “ ramener ”
General L’Hotte ( pág. 178 de “ Questions Equestres “ ) :
“ …ce que le ramener représente, c’est bien moins une direction invariable de
la tête qu’un état général de soumission des ressorts ”.
General Decarpentry ( pág. 107 do “ Méthode de Rasbe ” )
: “ Dans cette attitude ( station regulière ) les deux tiers du poids du
cavalier s’ajoutent à la surcharge naturelle des épaules. Le cheval aurait donc
tendance à tomber en avant ” si le ramener n’intervenait en sens inverse en
reculant le centre de gravité par le raccourcissement qu’il impose à l’ensemble
de l’encolure et de la tête ”.
Acerca
da posição aquém da vertical que se tem que dar a certos cavalos, sobretudo
entre os peninsulares, fracos de post-mão e com o garrote muito mais alto que a
garupa, escreve “ Baucher ” na pág. 193 da 5ª edição do seu “ Nouvelle Méthode
” : “ En effet on est alors obligé, pour rendre ses mouvements uniphormes, de
baisser l’encolure afin que l’espèce de bras de levier qu’elle représente,
serve à dégager le poids dont le derrière se trouve trop surchargé ”.
É
interessante notar aqui o ensinamento do General L’Hotte sobre a constituição
do pescoço do cavalo de sangue e peninsular, que vem ao encontro da tese
exposta acima à cerca da necessidade do “ ramener ” : …une
encolure longue, bien que légère, met plus de poids sur les épaules qu’une
encolure épaisse, mais courte, et ses changements d’attitude entraînent des
déplacements de poids bien autrement sensibles ” ( “ Questions Equestres “ pág.
117 ).
Capítulo II
O “ Rassembler ”
Em
equitação de escola o cavalo deve trabalhar em bases curtas, isto é numa
atitude muito mais metida do post-mão que nas outras modalidades, o que não
quer dizer que não se deva saber transitar para os andamentos largos.
É por esta razão que além dos posteriores estarem sob a massa com a consequente elevação da frente e dos movimentos, deve haver ainda, para se chegar a um ensino são, mobilidade em todos os sentidos, flexibilidade de músculos e articulações e ligeireza.
É por esta razão que além dos posteriores estarem sob a massa com a consequente elevação da frente e dos movimentos, deve haver ainda, para se chegar a um ensino são, mobilidade em todos os sentidos, flexibilidade de músculos e articulações e ligeireza.
Como
falaremos adiante de flexibilidade e da ligeireza, diremos por agora que o “
Rassembler ” em sentido restrito, diz respeito unicamente ao grau de entrada
dos posteriores para debaixo da massa, mais adiante do que a sua posição de
aprumado. Claro que a ligeireza e a flexibilidade são requisitos indispensáveis
a um bom “ rassembler ” no seu sentido mais amplo, porem trataremos dele
segundo a definição apontada, visto a aludida acepção de “ rassembler ”
abranger em si todas as características da equitação académica.
Por
estarmos a tentar destrinçar o mais possível para melhor explicação dos
requisitos da Equitação de Escola é que tomamos o “ rassembler ” como
significando apenas a posição mais metida do quarto traseiro.
Não esqueçamos, porem que é de tal importância o estudo do “ rassembler ” como atitude geral do cavalo ( sentido amplo ) que serve para distinguir os diversos sistemas de equitação e assim fala-se no “ rassembler ” de 1ª ou 2ª fase de Baucher como caracterizando, cada um desses métodos, visto os processos característicos de cada um se encontrarem reflectidos no perfil do cavalo, depois de ensinado por algum deles.
Não esqueçamos, porem que é de tal importância o estudo do “ rassembler ” como atitude geral do cavalo ( sentido amplo ) que serve para distinguir os diversos sistemas de equitação e assim fala-se no “ rassembler ” de 1ª ou 2ª fase de Baucher como caracterizando, cada um desses métodos, visto os processos característicos de cada um se encontrarem reflectidos no perfil do cavalo, depois de ensinado por algum deles.
Poder-se
à dizer que, se na realidade o “ rassembler ” se caracteriza pela entrada mais
acentuada dos posteriores para além da sua posição “ d’aplomb ” então o cavalo
de obstáculos está em “ rassembler ” pois tem de meter as pernas para saltar e
com o cavalo de toureio passar-se-ia o mesmo, pois para se quartear, colocar o
toiro, etc. tem que baixar as ancas, o mesmo se podendo dizer do cavalo com
congocha e então o “ rassembler ” não seria uma característica exclusiva da
equitação académica.
Diremos com o General Decarpentry que isto é “ rassembler ” mas não é o “ rassembler ” da Alta Escola, pois este tem outros requisitos além da entrada dos posteriores, elemento comum ao “ rassembler ” relativo das outras modalidades da equitação.
Diremos com o General Decarpentry que isto é “ rassembler ” mas não é o “ rassembler ” da Alta Escola, pois este tem outros requisitos além da entrada dos posteriores, elemento comum ao “ rassembler ” relativo das outras modalidades da equitação.
Portanto
a entrada dos posteriores pode existir noutro ramo da equitação, tal como o “
rassembler ” ou a ligeireza, porem em equitação de escola os quatro requisitos
apontados têm que existir conjuntamente, formando o que se chama o “ rassembler
” perfeito, que significa cavalo bem ensinado, porem, para diferenciar os
elementos de que ele se compõe chamamos à entrada dos posteriores “ rassembler
” em sentido restrito, tal qual como Baucher ao distinguir o do 1º género, 2º
género e 3º género, conforme a constituição de cada cavalo permite que ele
aceite uma maior ou menor concentração do post-mão.
As
vantagens do “ rassembler ” não têm discussão e por isso basta citar a opinião
de Baucher sobre as suas qualidades, que enaltece assim : “ Le cheval a t’il
l’encolure basse ou la tête mal attachée, le rassembler corrige ces parties
deféctueses en changeant leur attitude. Les Jambes de devant sont eles faibles,
le rassembler vient à leu raide, et leur donne un poids moins lourd à supporter
en surchargeant davantage l’arrière-main ”. ( Baucher, obras completas, dic. De
Equitação ).
Seria
aqui o lugar mais próprio para tratar da diferença entre o “ rassembler ” do ar
e “ rassembler ” de domínio, porem, faremos o seu estudo a propósito dos
cavalos peninsulares na parte IV capítulo da equitação contemporânea em
Portugal.
Capítulo III
A Flexibilidade
Por flexibilidade entendemos aquela faculdade das articulações que lhes permite acionarem o cavalo de modo a poder transmitir sem repelões dos andamentos curtos aos largos e vice-versa, sempre com a maior energia. Desta qualidade que o animal deve possuir por natureza e que o equitador lhe deve saber dar se não a tiver por deficiente constituição, resulta o que se chama impulsão académica.
Parece haver tendência para confundir a impulsão com a velocidade, ou com a simples propensão do cavalo para ir para diante. Julgo que a impulsão da Equitação Académica é uma consequência da flexibilidade geral do cavalo, quer dizer, resultante da faculdade de tensão e relaxamento dos músculos, de tal modo que o cavaleiro pode dispor dela tanto longitudinal como lateralmente. Portanto o cavalo impulsionado estará “ sob pressão ” que tanto pode ser empregada nos alargamentos vivos dos andamentos, como na elevação dos ares feitos em bases curtas, como até andamentos retrógrados, se forem praticados com energia e calma, conservando o animal a tendência para sair para diante sem precipitações, mas com franqueza.
É certo que nem todos os cavalos têm constituição própria para aguentar a ginástica que lhes dará uma impulsão sã, porém o equitador digno deste nome, não recuará perante a tarefa de desenvolver neles as poucas qualidades com que a natureza os prendou.
É relativamente à flexibilidade do dorso que os franceses distinguem o “ cheval qui marche avec son dos ” do “ qui marche avec ses jambés ” pela capital importância que a espinha desempenha como transmissor da impulsão dada pelas pernas e recebida na boca pela mão do cavaleiro.
Mr. Glahn escreve ( “ Éperon ” de Fevereiro de 1957 ) que “ Avant la première guerre, c’était lá grand criterium : le cheval qui sait employer son dos de façon élastique était la notion standard de touts les protocoles, de toutes critiques ou compte rendus…
On lit parfois qu’une présentation est excellent mais il faut plutôt dire en quoi consistait cette excellent. Etait-ce seulement pour avoir déroulé sans erreur la reprise demandée ? Cela ne nous dit rien, s’il s’agit d’un cheval qui a parcouru son programme de façon automatique, en faisant marcher ses membres sans engager tout le reste. Mais cela dit tout, s’il s’agit d’un cheval au dos en activité souple, même si le cheval ne savait pas encore réaliser en perfection toutes les demandes, en fait, par exemple, de placer et flexion ”.
Foi preocupado com a flexibilidade do dorso que Baucher na 1ª fase dos seus ensinamentos juntava os pés às mãos dos seus cavalos, e o general L’Hotte ao falar de impulsão retida pela mão do cavaleiro e transmitida por um dorso bem flexível diz que “ ressentira comme des ondulations semblables à une nappe d’eau passant sous son assiette ”.
Poderá parecer estranho que tenhamos intitulado este capítulo de flexibilidade e não de implusão, porém como ficou dito, esta qualidade deve derivar da primeira, pois de outro modo é defeituosa, à luz do critério da Equitação Académica. Vejamos um exemplo vulgar : muitos cavalos há que fazem “ passage ” com energia e brilho, porém se olharmos para o cavaleiro que o monta ou se nós próprios praticarmos o dito ar num cavalo destes, sentir-nos-emos sacudidos duramente pelo dorso a cada tempo da “ passage ”.
Isto quer dizer que o animal põe energia no ar que executa, mas não tem flexibilidade, visto o cavaleiro não conseguir ligar-se ao movimento da sua montada. Nele há impulsão, mas como vem acompanhada de flexibilidade, não pode ser considerada como atributo de uma boa equitação de escola. ( L’Hotte, Questions Equestres ” pág. 27 ).
Quanto ao aspecto da relação existente entre a impulsão e a flexibilidade do dorso convém citar a autorizada opinião do Exmo. Sr. D. José Manuel da Cunha Meneses ( em Ano Hípico Português, 1954 ).
“ A impulsão natural conjugada com as dificuldades quase gerais da boca, concorrem poderosamente para o desvio da garupa da sua rigorosa posição em relação às espáduas. Não sei se já repararam que os cavalos pouco enérgicos e de boca fácil são os que menos se desviam da posição própria “ E porquê ? Exactamente por serem mais flexíveis de dorso.
“ Como d’Aure, Baucher provocava primeiro a impulsão, porém, em vez de a deixar escapar imediatamente para diante, queria que o cavaleiro se apossasse dela, primeiro para obter submissão dos músculos e articulações “ ( L’Hotte “ Officier de Cavalerie ” pág. 240 ). O sistema de d’Aure usava a impulsão para que o cavalo fosse “ En Avant ” como dizia constantemente aos seus discípulos, enquanto Baucher procurava utilizar a impulsão para vencer todas as resistências que se iriam esmagar de encontro à mão do cavaleiro ( efeito de conjunto ) e por isso a sua preocupação se reflectia no aviso “ Poussez ”.
Da comparação das duas maneiras de empregar a impulsão por estes dois celebres mestres, resulta a conclusão de que o primeiro a empregava pura e simplesmente no movimento para diante, enquanto o segundo obtinha primeiro a flexibilidade de todas as partes, para que depois a impulsão fosse regulável “ à la façon d’un moyan de cerise qui glisse sous la pression des doigts ”. Julgo ser a última das duas impulsões a que deriva da flexibilidade total, que interessa ao equilíbrio da equitação superior.
Portanto a impulsão com vontade de andar para diante, elemento comum a todos os ramos da equitação, tem que se tornar de tal modo controlável e com este domínio que dá a “ souplesse ” só se consegue à custa da flexibilidade total do cavalo, esta torna-se em elemento imprescindível da Alta Escola e pena é que como diz M.Glahn, o critério baseado nela não seja o dominante nas classificações oficiais.
Capítulo IV
A Ligeireza
A verdadeira ligeireza consiste no emprego daquela força apenas necessária à produção do movimento pedido. Num sentido mais restrito, refere-se ou à descontração do maxilar, ou à mobilidade das ancas, mais geralmente, porém aludindo ao primeiro destes dois significados.
Rigorosamente estas últimas acepções do termo ligeireza são apenas maneiras de a avaliar, isto é são modos por que ela se deve manifestar práticamente. Se por um lado a ligeireza da maxila se transmite às vertebras do pescoço, da coluna vertebral etc. por outro a das ancas repercute-se até à boca, provocando o aligeiramento do maxilar.
Convém desde já referir que a ligeireza considerada pela Escola Antiga ( anterior a Baucher ) como consequência da flexibilidade geral do cavalo, foi vista por este mestre não só como causa, mas também como efeito. Na verdade se num cavalo bem constituído a ligeireza resulta do equilíbrio geral, num que tenha defeitos de constituição eles vão refletir-se na boca e então a ligeireza tem que ser trabalhada localmente no maxilar inferior e não se pode esperar que este resulte do equilíbrio geral, pois por natureza ele é deficiente.
Sendo a verdadeira ligeireza difícil de atingir, encontramos por um lado cavalos que aparentam estar leves na mão, mas que afinal são só muito faladores e por outro lado os que executam correctamente os exercícios que lhe são exigidos, conservando-se mudos e contraídos. Mais uma vez se constata que “ in medio est virtus ” pois o General L’Hotte escreve : Le cheval qui satisfait la legéreté ne doit être ni muet ni bavard ”. e a confirmar que a ligeireza só se deve produzir quando é pedida, ensina “ Il faut que sont detachement moelleux, se produzisse, au cours du travail, au premie rappel de la main, pour cesser dès qu’il nést plus provoqué ”.
Porque é que a ligeireza é considerada a “ pedra de toque ” da Equitação de Escola ?
Porque “ é por ela que o cavaleiro consegue que a sua montada execute um determinado exercício empregando apenas aquela força necessária ao movimento que pretende, qualquer outra manifestação de força produz uma resistência e portanto uma alteração da ligeireza ” ( L’Hotte ).
Quer dizer que não se pode atingir a perfeição se houver repelões, falta de ritmo, contrações musculares, só a ligeireza dando aquele ar natural, sem esforço, que é a prova do equilíbrio perfeito dum cavalo.
Parte III
Sistemas de Equitação de Escola
Um sistema diferente de equitação aparece sempre quando um cavalo de tipo novo surge, desde que essa raça se torne de uso corrente. Não são ideias equestres por si que fazem a moda, mas sim o cavalo que se monta ou a utilidade diversa a que se pretenda aplica-lo.
Daí que o método novo apareça por duas razões, ou quando o cavalo passou a ser outro na sua constituição física e moral, ou quando surge uma modalidade diferente na sua utilização. Evidentemente que a primeira destas causas ocasiona mudanças pouquíssimo frequentes, visto não haver uma raça “ a moda ” no mundo hípico que varia sensivelmente todas as gerações, porém quando essa raça completamente diferente da anterior, surge e se expande, o método que resolve os grandes problemas equestres tem de ser original, adaptando-se à nova configuração animal.
É assim que na história da equitação culta apenas merecem o título de métodos propriamente ditos, o que culminou com a obra de La Guérinière e o descoberto por François Baucher que coincidiu, um com o apogeu do cavalo curto, forte, de movimentos arredondados, que se sentava sobre as ancas, no género do cavalo peninsular e o outro com aparecimento em França do cavalo de sangue inglês. A necessidade do “ Novo Método ” de Baucher fazia-se sentir para resolver os problemas novos deste animal, quando destinado à equitação académica, visto as regras da Escola Antiga serem de difícil e duvidosa aplicação nestes casos.
Isto não quer dizer que não tenha havido muitos outros métodos ou progressões próprias, porém todas se inspiram mais ou menos num ou noutro dos dois grandes sistemas apontados, consoante a necessidade de determinada modalidade equestre.
É assim que, por exemplo D’ Auvergne simplificou os métodos de La Guérinière para os aplicar à equitação militar e o conde d’Aure fez o mesmo à cartilha da Escola de Versailles para que os seus processos fossem úteis à equitação de campo. Por sua vez Sallis faz no seu método uma reelaboração do d’Aurismo, que se tornou utilíssima, sobretudo na preparação do cavalo de obstáculos.
Por outro lado os métodos expostos por Rabe, Fillis, Decarpentry e Joasseaume, por exemplo, são apenas a doutrina de Baucher mais bem explicada nos seus processos, ou melhor ordenada na sua progressão, com vista a resolver os problemas da Equitação Académica.
Explicando, ainda que resumidamente, os métodos usados pelos sistemas da Escola Antiga e de Baucher, ficaremos com uma ideia indispensável dos processos equestres que mais influíram na história da equitação.
Capitulo I
A Escola Antiga
Quando nos referimos aos métodos desta escola, reportámo-nos aos que ficaram prescritos no livro de La Guérinière “ École de Cavalerie ” considerado nesse tempo, e ainda hoje, pelos cavaleiros da Escola Espanhola de Viena, como a “ Bíblia Equestre ”.
O princípio basilar em desenvolver o instinto natural do cavalo de andar para diante, ou como dizia o Duc de Nemours referindo-se ao Baucherismo : J ene veux pas d’un systéme qui prend sur l’impulsion des chevaux ”.
A finalidade da equitação de escola era, neste tempo, ensinar aos cavalos os ares altos ou os saltos de escola, e para isso serviam-se dos meios que indicamos na sequência.
Com para conseguir chegar a este fim o equitador tinha que transpor a maior parte do peso para o “ post-mão ” dizia-se que os cavalos ficavam sentados, sendo na verdade essa atitude tomada em certos ares, como por exemplo a “ pesade ” em que o peso recai todo sobre o quarto traseiro, podendo o animal ficar assim com a frente bastante tempo no ar.
Convém notar que a doutrina de La Guérinière foi muito aperfeiçoada por outros cavaleiros entre eles, Lubersac, D’ Auvergne e D’Abzac, dos quais o segundo foi o fundador da equitação militar francesa. Chegou mesmo haver grande antagonismo, por volta de 1817, entre os partidários de D’Auvergne ( equitação militar ) e os de Montfaucon de Rogles ( Equitação Académica ).
Os Processos
1 – O andamento base de toda a ginástica equestre era o trote porque admitiam o princípio de que quanto menos membros em apoio há, mais fácil se torna dominar por ele o cavalo. Ora sendo o trote constituído por uma sucessão de diagonais separadas por um tempo de suspensão é ele o melhor movimento para ginasticar e dominar o cavalo.
A razão pela qual o trote terá de ser utilizado muitas vezes é porque, como diz o general L’Hotte, “ sendo as contrações musculares instintivamente solidárias entre si, a intensidade das resistências cresce em razão da energia do andamento e tal resistência que para o cavaleiro de pouco tacto é imperceptível a passo, torna-se sensível quando empregaum andamento mais vivo “ ( “ Un officier de cavalerie “ pág. 304 )
2 – A colocação do pescoço alto e da cabeça “ ramener ” obtem-se progressivamente, e é necessário para que a flexão da articulação do “ grasset “ ( femero-tíbia-rotuliana ) se faça devidamente, permitindo ao cavalo baixar a garupa para a obtenção do “ rassembler “ correcto.
3 – Os freios empregados eram, ao princípio, bastante leves e no fim do ensino de acção forte.
4 – As esporas têm por fim obrigar os cavalos a trabalhar bem por terem respeito a elas. Diz Seeger “ usamos as esporas com bicos aguçados porque o seu poder é tal que mais tarde, o cavalo não tem que ser importunado, pois a simples lembrança delas basta para evitar toda a correcção que ulteriormente fosse necessária ”.
Desta frase, das gravuras e dos escritos, podemos concluir que só se ensinavam cavalos em Alta Escola que tivessem qualidades físicas e de temperamento próprias para esta arte. Que assim devia ser, mostra-o, também o facto de as grandes Academias Equestres estarem adstritas ao serviço das Cortes na Europa e evidentemente que para o serviço do rei, dos cortesões e da sua guarda, deviam entrar os melhores produtos coudélicos, que os Conservatórios da Arte Equestre tinham por missão ensinar. É interessante notar que o cavalo de Luiz XIII era peninsular e chamava-se “ Bonito ” e a montada de LuizXV também tinha nome português, era o “ Florido ”. Daqui se vê o grande apreço, em que eram tidos os andaluzes.
5 – O “rassembler ” era obtido pela entrada dos posteriores para baixo da massa, conjugada com a elevação da frente e com o “ ramener ” da cabeça. Empregavam-se correntemente os pilões neste exercício.
A Escola Antiga justificava este processo de ensino, dizendo que o post-mão é a parte maior e a que tem em si a força propulsora dos movimentos, daí que haja necessidade de sobrecarregar o post-mão e de começar o ensino pela sua ginástica. A entrada dos posteriores deve fazer-se pela flexão de uma das articulações da coxa, o “ grasset ” ou femero-tibio-rotuliano, o que só se consegue se esta entrada for acompanhada da colocação alta do pescoço e dum “ ramener ” perfeito, pois se assim não for o cavalo mete os posteriores esmagando os curvilhões, caindo o peso que estas suportam sobre as quartelas, que são as articulações mais fracas dos membros traseiros, e por isso, o animal não se pode empurrar no movimento que lhe é exigido, com a impulsão devida.
No “ rassembler ” ao galope, exigia-se que o cavalo encurvasse o pescoço para o lado em que galopava. Foi por este motivo que os cavaleiros antigos não conseguiram fazer executar às sua montadas as passagens de mão a tempos aproximadas, pois a execução de cada uma delas para ser perfeita, exigia uma inversão de ajudas e de encurvação tais, que não era possível ao cavaleiro realizar sem perturbar o equilíbrio do seu cavalo.
O “ rassembler ” depois de La Guérinière, atinge o fim visado, quando o cavalo trabalha nos três andamentos em duas pistas no célebre “ Travail sur le carré de La Guérinière ” com quatro ou seis metros de lado, no qual o trabalho de trote é reduzido à “ passage ” nos lados e “ piaffer ” nos cantos, seja de frente ou de garupa ao muro e o de galope torna-se célebre “ terra-a-terra ” com piruetas directas e inversas nos cantos.
6 – A ginástica era ministrada por meio das chamadas “ acções gerais ” isto é maneira de aplicar as ajudas produzindo efeito sobre o cavalo no seu conjunto.
É interessante notar que Seeger “ ecuyer ” alemão da Escola Antiga, escreve que nos movimentos laterais os posteriores não se deviam cruzar, mas sim colocarem-se em frente um do outro e não além dele ou ao seu lado.
Esta seria também uma das razões para o emprego das acções gerais, principalmente da “ espádua a dentro ” visto que o cavalo tira as espáduas da pista em que vai e os posteriores, conservando-se nela, não chegam portanto a cruzar-se, colocando-se um em frente do outro.
Se houvesse cruzamento completo, dava-se, segundo este autor, um sinal de falta de impulsão.
7 – Também o peso do cavaleiro deve mudar segundo o grau de ensino, acabando por sobrecarregar mais o post-mão.
No princípio do ensino, diz Seeger, o cavaleiro deve estar bem enforquilhado para fixar o peso sobre as espáduas, ginasticando-as. O cavaleiro vai progressivamente adoptando a posição sentada, a fim de desenvolver a força do dorso e do post-mão. A utilidade destas duas posições impõe-se não só quanto ao género de lição a dar ao cavalo, mas ainda deve variar na mesma lição, conforme o exercício praticado.
8 – O “ piaffer ” da escola antiga obtido a partir do trote de escola, era muito mais levantado de diante que de trás. Este ponto não se torna bem claro, pois se Seeger diz o que acima transcrevi ( pág. 203 de “ Baucher et son École ” ) o general Decarpentry escreve em “ Piaffer et Passage ” que a escola antiga tirava primeiro o “ piaffer ”. Este autor diz também na pág 119 do livro “ L’essenciel de la méthode de Raabe ” que a escola alemã anterior a Baucher tirava o “ piaffer ” do recuar.
Estas opiniões pouco coincidentes devem resultar apenas de diferentes maneiras de fazer, uma alemã e outra francesa, mas o perfil final do “ piaffer ” é comum Além Reno e em França.
9 – Se bem que os ensinamentos desta escola hajam culminado no livro de La Guérinière, outras obras foram publicadas antes e depois com algumas diferenças, sobretudo na maneira de executar.
Por exemplo, o Duque de Newcastle empregava uma rédea lateral que vinha do cabeção ao arção da sela, fazendo o cavalo tomar um “ placer ” lateral semelhante ao que Baucher havia de adoptar na 1º fase dos seus ensinamentos, pela prática das flexões laterais do maxilar e do pescoço.
Segundo o general L´Hotte ( pág. 155 do Souvenirs d’un officier de cavalerie ” ) depois da revolução de 1789 o livro mais aconselhado pelos mestres seria o de MONTFAUCON DE ROGLES, que com D’ AUVERGNE foi discípulo de LUBERSAC e que pela sua simplicidade correspondia aos ensinamentos dos D’ABZAC e não aos de La Guérinière, concebido sob outro pensamento.
Portanto desde a publicação do livro “ École de cavalerie “ de La Guérinière em 1740 até 1840 ano em que Baucher publica a 1ª edição do seu dicionário, medeia quase um século e durante este tempo muito se aperfeiçoou o método que vinha sendo usado se bem que não tivesse aparecido um novo sistema na verdadeira acepção da palavra.
Entretanto D’Auvergne cria a equitação militar que simplifica os métodos usados pela equitação académica propriamente dita.
O Senhor Marquês de Marialva, no livro em que Manuel Carlos D’ Andrade descreve os processos usados por ele “ A luz da liberal e Nobre Arte da Cavalaria ” de 1790 empregava os pilões prescritos por La Guérinière e a rédea lateral do Duque de New Castle. É interessante apontar aqui que o 3º Marquês de Alegrete e 4º Conde de Vilar-Maior, nascido em Lisboa em 1682, traduziu para Português a obra de New Castle, dedicando-a a seu cunhado o Duque de Cadaval, D. Jaime de Melo.
O Marquês de Marialva “ descobriu e inventou um instrumento, ou ferro muito útil para obrigar os potros ou cavalos que levantam a cabeça e sem romper o pescoço, os firma iguais nos movimentos das suas espáduas e faz produzir bons efeitos e utilidades, que passamos a referir… ( Manuel Carlos D’Andrade ). É aquilo que vulgarmente se chama cruzeta.
Critica da Equitação da Escola Antiga
Tendo o ensino da equitação académica como finalidade a prática dos Ares Altos e os Saltos de Escola, temos que analisar os meios empregados por ela e verificar se eram os mais idóneos para atingir o fim pretendido.
Afora os trabalhos de baixa escola, os cavaleiros do séc. XVIII usavam inúmeros instrumentos próprios para por o cavalo “ a saltar ” e que eram, entre outros, os pilões, o sarrilhão, as rédeas fixas, as rédeas longas, freios geralmente de acção forte…e muitas vezes tremendamente violenta, etc…
O próprio “piaffer ” era considerado não como um ar propriamente dito, mas como um exercício preparatório dos saltos de escola.
Convém aqui recordar que a equitação de que falamos, ou seja a de La Guérinière, era já um requinte em relação à outra equitação mais prática dos séculos anteriores, visto que então uma das aplicações do cavalo era na guerra, que consistia principalmente em duelos de cavaleiros de exércitos opostos e a qualidade que o guerreiro mais apreciava na sua montada era que ela se voltasse facilmente para todos os lados, ainda que não corresse muito e até a Capriola, salto de escola, começou por ser um golpe destinado atingir o inimigo.
Não se pode pois dizer de animo leve, que a equitação antiga não prestava, pois verificamos que tinha uma finalidade, isto é sabia o que queria e ao mesmo tempo usava os meios mais aptos para a atingir. Era pois uma equitação séria e racional, como tal digna da nossa admiração.
Ainda hoje quem quiser praticar os Saltos de Escola, tem que usar os métodos de Lá Guérinière, pois a tentativa feita para aplicar a equitação moderna aos Ares Altos pela Escola de Saumur, parece-me deixar muito a desejar, visto não ter a beleza do “ rassembler ” próprio dos Saltos de Escola praticados à maneira antiga, que ainda hoje felizmente podemos admirar nas exibições da Escola Espanhola de Equitação de Viena.
Claro que estes cavaleiros praticam-nos em cavalos escolhidos e criados especialmente para esse fim, mas ainda aqui se não afastam das regras de equitação do séc. XVIII que só aplicava a animais de conformação própria para o ensino da época.
Cabe agora perguntar se não haverá uma contradição entre a impulsão exigida pelos cavaleiros da escola antiga e a atitude sentada que davam aos seus cavalos ? Se queriam impulsão, porque esmagavam a garupa e as pernas que são os órgãos propulsores do animal ?
Julgo que esta observação, à primeira vista pertinente, tem a sua explicação no facto de se exigir uma grande mobilidade, que só se pode obter com o cavalo trabalhando em bases curtas, isto é em “ rassembler ”. Ora assim como a atitude sentada favorece a mobilidade lateral, assim apaga a impulsão e daí que ela fosse a preocupação dominante do cavaleiro que montava o seu cavalo na atitude “ do gato que vai saltar sobre uma mesa ” como diziam os baucheristas criticando os “ écuyers ” da Escola de Versailles ”. Tinha que ser esse o principal cuidado do equitador ao montar um animal cujo equilíbrio era estável por tendência, isto é desde que tomasse aquela atitude sobre o post-mão difícil lhe seria transitar para um outro mais extendido, se não houvesse toda a cautela em não deixar esfriar a impulsão.
Deste “ rassembler ” sobre as ancas, substituído por Baucher na 1ª fase dos seus ensinamentos em que o peso é igualmente repartido pelo ante e post-mão, se aproxima o da sua 2ª maneira de fazer, visto só a entrada dos posteriores não ser tão pronunciada e portanto não haver tanta diferença entre a altura da frente e do quarto traseiro.
Julgo mesmo que a ligeireza da boca, consequência natural da entrada máxima dos posteriores no “ rassembler ” da Escola Antiga, teria de ser evitada apoiando o cavalo, visto que só assim se conseguem fazer os ares altos e “ saltar ” com lentidão. Esta ideia pode ser comprovadaainda hoje pelas exibições da Escola Espanhola de Equitação de Viena ( notar o apoio dado a estes cavalos pela focinheira apertada ) ou pelo exame das fotografias dos cavaleiros austríacos e pelas gravuras antigas.
Convém também perguntar se a ligeireza, considerada depois de Baucher como pedra de toque da verdadeira equitação, o era também para os processos da escola antiga.
Como sabemos a ligeireza avalia-se principalmente pela descontração do maxilar e pela mobilidade das ancas. Baucher com os novos processos que inventou conseguiu obter a ligeireza total, mas insistiu especialmente na da maxila, provando que ela tanto é causa como efeito da flexibilidade geral, enquanto que a Escola Antiga se preocupava principalmente com a ligeireza das ancas.
Capitulo II
O Sistema de F. Baucher
Antecedentes
O método preconizado por este “ ecuyer ” não apareceu logo formulado na sua expressão definitiva, pois conforme foi construindo o seu sistema, verdadeiro sistema pela sua lógica e coerência, assim o foi expondo quer oralmente quer por escrito.
Baucher, foi um professor considerado unanimemente como extraordinário, quer explicando o que queria que os alunos executassem, quer demonstrando ele próprio quando surgiam dúvidas ou dificuldades que estes não sabiam resolver.
Como escritor o seu ensino foi tão luminoso, chegando a ser pouco claro em certos pontos e de aplicação prática muito difícil, a quem só lesse o método e não ouvisse a palavra do grande mestre.
Publicou em 1830 o “ Diccionaire Raisonée d’Equitation “ em 1834 os “ Dialogues sur l’ Equitation ” em 1837 o “ Resumé Complet des Principes de la Nouvelle Méthode “ em 1840 “ Passe-Temps Equestres “ e finalmente em 1842 a 1ª edição do famoso “ Méthode d’Equitation Bassée sur de Noveaux Principes “ que teve 12 edições com poucas alterações e duas mais ( a 13ª e 14ª ) contendo modificações muito importante dos métodos primitivamente adoptados.
O ensinamento oral de Baucher aperfeiçoava-se muito mais rapidamente do que o escrito, visto que os editores, por contrato, podiam reeditar a obra do “ écuyer ” como entendessem, sem a autorização dele, e daí que hajam aparecido tantas edições iguais, ao mesmo tempo que muitas modificações se tinham introduzido já, no método que Baucher expunha diariamente aos seus discípulos.
Contudo, quanto aos escritores, o ensinamento de Baucher era insuficiente e já Raabe dizia que “ la méthode écrite, le livre, n’est pas complet, suffisament clair, lucide ” ( examen du Baucherisme Reduit à sa plus simples expression, de M. Rul).
O aparecimento deste novo método deve-se principalmente à paixão de Baucher pela equitação e pelo cavalo, que o levou a duvidar dos processos usados até aí que “ refletem a ignorância e a brutalidade ” e ainda porque “ o homem, rei da criação, recebeu do criador uma inteligência superior aos animais, não para os sujeitar aos seus caprichos e infligir-lhes maus tratos, mas para receber deles os serviços que tem direito de lhes exigir ”.
Uma razão que impunha a modificação dos métodos até aí usados, foi a voga que tomaram os cavalos de sangue inglês e árabe, com os quais se cruzaram a maior parte das eguadas.
Dadas as características físicas e morais do cavalo moderno, o écuyer ” que aplicasse os métodos da Escola Antiga, seria mal sucedido na maior parte dos casos, e não foi por outra razão que o Conde d’Aure, se bem que discípulo de Versailles, modernizou bastante a equitação, na sua aplicação ao cavalo de exterior.
Para executar trabalhos de escola nos animais deste novo tipo, um método racional que desse um domínio absoluto do cavalo era necessário. O cavalo de movimentos arredondados, com facilidade em se sentar, de pescoço largo e ganacha grossa, estava a ser substituído pelo cavalo longilíneo, corredor impulsivo e cheio de força e a equitação do séc. XVIII não podia servir para pôr tais animais a executarem ares de picadeiro. Coube a glória a François Baucher de ter concebido e realizado o método para chegar a tal fim.
Fica, pois, esclarecida a questão da raça de cavalos que Baucher preferia, visto haver quem pense que ele gostava mais dos de origem peninsular. Julgo não ser assim, pois a pág. 565 das suas “ Obras completas ” escreve : “ Quoique mon amour-propre national s’en irrite, je donne la préférence aux chevaux de choix de race anglaise; ils sont brillants, propres au manége et aptes à tout genre d’exercice ”.
Na verdade, não podia ser de outra maneira, já que o Baucherismo era o sistema novo, feito para ensinar o cavalo da moda recente e sendo a raça peninsular, a “ limousine ” e a “ navarrine ” a usada pelos cavaleiros da Escola Antiga, Baucher não podia preferir os seus produtos, visto que o sistema que inventou pretender ensinar os cavalos que o método anterior não conseguia. Afora esta razão principal, o desejo do inovador de contradizer tudo que até ele se fez para realçar os seus processos, não podia coadunar com o gosto pelo mesmo tipo de cavalo.
O Baucherismo e as ideias do seu tempo
É interessante verificar a coincidência no tempo do aparecimento destas novas ideias equestres como das correntes ideológicas do séc. XIX
Sabemos que foi nesta altura que apareceram as ideias novas do romantismo nas artes e nas letras e do liberalismo na economia, no direito e na política e os adeptos destas novas correntes foram amigos e admiradores de Baucher, o que, por isso, deve ter animado o seu espírito, revolucionário também no campo da equitação, a prosseguir na descoberta dos novos processos.
Por certo não quero eu dizer com isto que o Romantismo e o Liberalismo como doutrinas, influenciaram a equitação, o que eu quero dizer é que os românticos e liberais, com o seu espírito revolucionário, formavam um ambiente de renovação em que Baucher se achava integrado e por ele devia ter sido animado a realizar, a nova equitação que sonhava e que era revolucionária também.
Não se me afigura muito forçado concluir deste modo, dado que a Alta Escola era muito apreciada nesse tempo e entre os cavaleiros admiradores dela, ou seus praticantes, contavam-se não só os nobres, mas também, célebres intelectuais. É bem conhecido o partido que o Duc de Nemors tomou na disputa entre o conde D’Aure e Baucher, chefiando o partido do primeiro contra o deste, à frente do qual estava o Duc D’Orleans.
Alguns intelectuais jovens e buliçosos enfileiraram no grupo dos baucheristas, entre os quais se contavam o pintor Delacroix os escritores Eugéne Sue e Theophile Gauthier, o actor Got, o músico, compositor e jornalista Leon Catayes, assim como o poeta Lamartine que visitava frequentemente o mestre.
No mais aceso da luta entre os métodos do Conde D’Aure e de Baucher, apresentou este o célebre cavalo Gericault, que pertencia a Lord Seymour e era considerado indomável. Na noite da sua exibição no circo o corpulento Theophile Gautier, se bem que por causa do seu físico não pudesse montar, não hesitou em estar presente para defender Baucher e como a batalha entre os partidários dos dois campos opostos ia ser renhida, vestiu o colete escarlate que havia usado doze anos antes, a quando da célebre questão que se levantou com a estreia do “ Hermani ” de Vitor Hugo.
Em defesa dos pontos de vista do D’Aurismo e do Baucherismo trocaram os adeptos animada controvérsia escrita, publicando brochuras e panfletos que mostram bem a paixão com que a equitação era discutida.
Permito-me salientar um desses trabalhos escrito pelo aluno de Baucher, Baron de Curnieu, que se intitula “ Comme quoi Baucher n’a jamais existe ” e levantando a questão para a galhofa, defendia a ideia, tão extraordinária quão imagiunosa, de que o Baucherismo não é mais do que uma deformação do cristianismo destruidor das religiões antigas. Baucher era uma figura mística que substituía a de Jesus. Os seus fiéis amigos, bem conhecidos, eram os doze apóstolos. Depois da viagem a Itália, recordação vaga da fuga para o Egipto, a vinda de Baucher a Paris correspondia à entrada em Jerusalém etc. etc. A experiência de Saumur era a recordação da tentação de Jesus pelo Demónio. Levando Baucher até à mais alta janela do palheiro, onde se avistava todo o panorama da Escola, da mesma maneira como o diabo havia levado Jesus ao alto do monte, o general Separre ( que é o demónio, por não por ser adepto da introdução do baucherismo no exercito ) disse a Baucher : “ Não fales mais de pernas e tudo isto será teu ! …”.
Deste modo se vê o interesse com que se discutia a equitação e atenção que a ela prestavam os próprios intelectuais e por isto é natural que Baucher se sentisse encorajado para levar a cabo a reforma profunda dos métodos da Escola Antiga, vendo os seus amigos realizá-la noutros campos.
O Baucherismo e o circo
Para se fazer uma ideia da celebridade que tomaram os factos e as pessoas de que atrás falámos é preciso lembrar que tudo se passava num circo ou num picadeiro e aquele era nesse tempo o espectáculo preferido pela sociedade elegante e os seus artistas eram tão célebres como são hoje os actores de cinema ou os jogadores de “ football ” sobretudo os “ écuyères ” eram admiradas e disputadas, sendo o seu número no espectáculo considerado o principal, não deixando de vir a propósito referir que a última paixão de Alexandre Dumas ( pai ) foi pela “ écuyère ” de circo Adah Isaacs Meuken.
O próprio imperador Napoleão III e toda a corte assistiam frequentemente aos seus espectáculos favoritos, os de circo, chegando a mandar construir um em Paris.
Hoje em dia a equitação de circo é vista por alguns cavaleiros como sem valor, isto é como um conjunto de “ tours de force ” que nada tem que ver com a Alta Escola verdadeira, porém, se os seus métodos são, por via de regra, artificiais, visto quererem atingir o espectacular sem cuidarem da perfeição, contudo nunca deixaram de aparecer cavaleiros que numa pista apresentam cavalos trabalhando conforme as melhores regras da equitação académica.
Remontando às primeiras manifestações circenses, vemos que o primeiro circo, o de Jacob Bates, que abriu em Paris em 1767, era quase um picadeiro, isto é o espectáculo compunha-se exclusivamente de números com cavalos e daí a origem da pista circular com o diâmetro “ standard ” de 13,50 m com a vantagem de ser esta medida a mesma em todos os circos e ainda porque trabalhando o cavalo numa circunferência torna mais fácil o volteio, sendo as quedas para o interior do círculo de quase nenhum perigo, enquanto que as caídas para o exterior são, em geral muito mais perigosas.
Se nestes primeiros tempos do circo os espectáculos eram preenchidos quase só por números com cavalos, aliás em trabalhos de conjunto e isolados muitíssimo interessantes, não se pode dizer que a equitação verdadeira contribuísse muito para o seu brilhantismo.
É mais tarde, quando Antoine Franconi, que era domador de feras, se dedica à apresentação de cavalos, que ela começa aparecer e tem depois um cultor valioso em Laurent Franconi, filho daquele, com quem Baucher havia de aprender as regras da apresentação em pista, se bem que nunca o tivesse igualado em beleza de figura a cavalo.
Baucher aparece, pois, na época áurea do circo e é nele, percorrendo vilas e cidades da França e do estrangeiro, que apresenta os seus cavalos ensinados segundo o novo método, e assim o vai tornar conhecido.
Quem desprezar sistematicamente a equitação de circo, que pense no valor que é preciso ter para entrar numa pista barulhenta, iluminada e rodeada de público e além disso executar trabalhos que todos sabemos serem dificílimos mesmo num picadeiro silencioso. Se só para exemplo eu lembrar que Baucher executou na pista dum circo piruetas em passagem de mão a tempo no cavalo Turban, talvez consiga afastar um pouco desprezo a que são votados os seus cavaleiros e se convidar os “ écuyers ” modernos apresentarem este ar que nunca vi talvez oiça uma resposta evasiva e tenha que me resignar a imaginar quão magnífico seria esse espectáculo.
É pena que hoje em dia no circo tão pouco caso se faça da equitação, pois o cavaleiro de Alta Escola está em risco de perder o único sítio público perante o qual se pode exibir diariamente sem obrigatoriedade de programas e onde os Franconi, os Baucher, os Fillis, etc. tornaram o seu nome célebre.
É interessante notar que também os grandes cavaleiros portugueses nunca desdenharam apresentar-se trabalhando os seus cavalos de escola no circo.
José Martins Queiroz de Montenegro ( Minotes ) chegou a exibir-se nos circos do estrangeiro, entre os quais o célebre circo Molier.
D. José Manuel da Cunha Menezes, pai e filho, João Gagliardi, o Conde de Fontalva, cujo picadeiro circular tinha as medidas da pista do Coliseu, Joaquim Gonçalves de Miranda, Roberto Vasconcelos e ultimamente, Nuno Oliveira, levaram ao circo cavalos da Alta Escola ensinados segundo os melhores princípios que tradicionalmente a regem.
Houve um discípulo de Baucher chamado Herzog que ensinou em Braga, num picadeiro que havia nos terrenos junto às muralhas que rodeiam os jardins da Casa dos Biscainhos.
Frederico da Cunha foi o primeiro português a receber lições do próprio Baucher em Paris, donde regressou em 1844. Era picador da Casa Real.
Sempre tenho ouvido dizer que António de Figueiredo também foi discípulo de Baucher, porém, Salvador José da Costa, nos “ Subsídios para a História da Equitação ” donde respingamos a notícia, escreve que ele foi discípulo de Frederico da Cunha que, por sua vez, foi aluno do mestre francês. Contudo, como António Figueiredo trabalhou em França, de 1853 a 1856 com os melhores mestres é possível que nessa altura tenha recebido o ensinamento do baucherismo directamente do seu actor.
1ª Fase dos Ensinamentos de Baucher
O conceito de equitação de escola apresentado por este mestre, varia essencialmente do da equitação do séc. XVIII porque, em vez de considerar como sua finalidade o ensino dos saltos de escola e os Ares Altos, Baucher entende que se devem aperfeiçoar os andamentos naturais e os ares deles derivados.
Qual o princípio em que se baseia o seu método ?
Substituir as forças instintivas do cavalo pelas forças transmitidas pelo cavaleiro
Claro que esta regra foi alvo de críticas tremendas, pois bem se compreende que o cavaleiro não transmite forças ao cavalo, o que ele faz é acioná-las mais ou menos e dirigi-las.
Como este princípio foi apresentado de início de maneira radical, houve que alterar mais tarde a expressão, deixando “ as forças instintivas de ser destruídas ” para passarem a ser “ anuladas ” depois “ reduzidas ” mais tarde “ combatidas ” e por fim “ harmonizadas ”.
Qual o verdadeiro significado do princípio ?
Diz o general Decarpentry : “ Suprimir toda a iniciativa ao cavalo, quanto ao emprego das suas forças, só o cavaleiro determinado e regulando este emprego, unicamente na medida e na forma por ele ordenadas, sem nada permitir ao instinto do cavalo, quer na produção, que na maneira de empregar a sua actividade ” ( Baucher et son école, pág. 44 ).
Este princípio que tem a sua aplicação prática por meio do efeito conjunto, reflete a preocupação de sujeitar o cavalo sem contudo o tornar indiferente e só assim Baucher conseguiu fazer as exibições que assombraram os públicos e ensinar trinta e tantos ares novos de alta escola.
Os Processos
1 ) O processo fundamental é o efeito de conjunto que permite anular as forças instintivas.
Vejamos como Baucher descobriu a mão fixa exigida por ele : “ Vivia no Havre e voltava um dia da feira dos cavalos, com que havia custado 300 francos. Um rápido exame sobre o conjunto do cavalo tinha sido feito e entrando no picadeiro, examinei atentamente a boca e verifiquei com tristeza que a espessura das barras explicava a resistência enorme que opunha à ação do freio. Apliquei-lhe os freios mais violentos, mas a boca continuou insensível. E dada a sua conformação, poderia deixar de ser assim ?
“ Lembro-me que um dia em que montava Bienfaisant ao qual pusera este nome dado o seu caracter pacífico, parei no meio do picadeiro. Enquanto o meu espírito refletia, a minha mão tornou-se fixa. Em dada altura senti Bienfaisant ligeiro; Bienfaisant cedeu o maxilar, Bienfaisant já não resiste !! Que se terá passado ! Como não há efeito sem causa, verifiquei que a fixidez da minha mão tinha determinado a cedência do cavalo e assim fiquei com a prova que a boca nada tinha que ver com as resistências e que estas provinham das resistências que o pescoço oferecia, visto que eu nada tinha modificado às condições anatómicas das barras, não tinha feito diminuir a sua espessura. ”
“ Tal foi o começo do meu método. Bienfaisant ensinou-me que não há bocas duras ou barras insensíveis. ”
Passemos agora a definir o efeito de conjunto. Consiste no emprego simultâneo das ajudas impulsivas e retropulsivas, de tal modo que a oposição de forças que desse emprego em sentido oposto resulta, leva à sua anulação completa.
2 ) Para chegar ao efeito conjunto com o cavalo parado ou em movimento, ginastica-se o ante e o post-mão com as chamadas flexões. A flexão directa é preparada pelas flexões laterais, obtendo-se assim o “ ramener ” e a descontração do maxilar. As rotações de garupa correspondem às flexões laterais para o ante-mão, facilitando a entrada dos posteriores.
O animal está preparado para o recuar. É que Baucher não se contenta só em fazer da mão uma barreira intransponível, mas quer dar-lhe também o poder de deslocar o cavalo para a rectaguarda.
Convém distinguir o efeito de conjunto do “ rassembler ” o que não é muito fácil fazer só pela leitura dos escritos de Baucher, originando muita confusão e erros irreparáveis aos que só liam e não ouviam as lições do insigne mestre.
No “ rassembler ” as pernas do cavaleiro actuam por toques e no efeito de conjunto por pressão, isto é por uma ação continua e persistente.
As mãos no “ rassembler ” têm uma ação intermitente e apenas contêm a frente, enquanto que no efeito conjunto as mãos atuam continuadamente e de diante para trás.
RAABE compara a sensação sentida pelo cavalo no efeito conjunto, com a pressão do homem que vai de mão dada com uma criança irrequieta ( pág. 204 de “ Methode de Haute-École d’Equitation ” ) “ o homem subordina sempre a pressão da sua mão aos movimentos da mão que segura de maneira a domina-la sempre, chegar-se-á a um pouto em que a mão presa só se moverá conforme os movimentos da mão que segura ”.
Como vimos, Baucher atende à maneira como as pernas devem actuar no efeito de conjunto e no “ rassembler ” enquanto que RAABE prescreve a sua acção quanto ao lugar – pernas às cilhas no efeito de conjunto e a trás nos flancos, para o “ rassembler ” e a impulsão.
Nesta fase Baucher exceuta as saídas a galope com a perna contrária e a rédea do mesmo lado do galope pedido, assim como nas voltas e passagens de mão.
O “ rassembler ” tem por fim dar uma grande mobilidade em todos os sentidos, pela redução da base de sustentação do cavalo. É procurado, só depois do animal estar completamente “ ramener ” cabeça na vertical “ pois pode acontecer que as pernas, aproximando-se demasiado cedo do centro, diminuam a base de sustentação de que necessitam para fazer oposição à mão e para obter o “ ramener ”. ( Baucher “ Obras Completas, 13ª ed. Pág. 569 ).
Compreende-se bem que este sistema começasse por procurar o “ ramener ” antes de mais nada, pois como diz DESIND “ Il est certain, et j’en donnerai toutes les preuves qu’on voudra, que tout les parties du corps du cheval s’accommodant à la position du col et de la tête ”.
Compreende-se bem que este sistema começasse por procurar o “ ramener ” antes de mais nada, pois como diz DESIND “ Il est certain, et j’en donnerai toutes les preuves qu’on voudra, que tout les parties du corps du cheval s’accommodant à la position du col et de la tête ”.
O “ ramener ” praticado nesta altura do pensamento equestre de Baucher, dava uma posição à cabeça na vertical, no “ rassembler ” do cavalo parado, isto deve-se a este último se praticar com os pés do cavalo junto às mãos. Ficando estas obliquamente ao solo, favorecem a posição da cabeça aquém da vertical e por isso se compreende que muitos seguidores do Baucherismo não conseguissem evitar esta posição.
Nesta atitude de “ rassembler ” a que os detratores de Baucher chamaram “ chat qui fait l egros dos ” pretendia-se sobrecarregar igualmente as espáduas e as ancas e por isso a altura das mãos e das pernas no “ piaffer ” ou na “ passage ” devia ser a mesma.
“ Baucher durante a maior parte da sua carreira só utilizou o trabalho à mão para a preparação das flexões do maxilar e do pescoço. Só depois do desastre em que partiu as duas pernas é que ele levou mais longe o seu trabalho a pé, estendendo-o às piruetas e ao “ rassembler ” com a “ chambrière ” até ao “ piaffer ”. ( Decarpentry “ Equitation Academique ” pag. 280 ).
Portanto o “ rassembler ” de que tratávamos, isto é o da 1ª fase era obtido com o cavaleiro montado.
Como veremos, quanto ao “ ramener ” na 2ª fase ele é procurado pelo abaixamento da cabeça, cujo chanfro foi elevado até à descontração do maxilar, com ele na horizontal. Decarpentry ( Méthode de RAABE, pág 149 ) só admite esta elevação da frente por ações momentâneas da mão, quando a cabeça pesa, no animal que encapota, ou se põe em espáduas, por meio das meias paragens sobre a rédea isolada do lado convexo do pescoço, fletindo para o lado oposto.
Para o Novo Método, quanto mais membros houver em apoio ao mesmo tempo, mais fácil será equilibrar um cavalo. Por isto é na estação e no passo que ele deve ser ginasticado, ao contrário do que faziam os cavaleiros da Escola Antiga que adoptavam o trote como andamento principal.
O emprego do passo compreende-se e é essencial na maioria dos cavalos, porém, quando o cavaleiro não possui o tato de um Baucher, tem que alternar o seu trabalho com o do trote, visto que, quanto mais energia há no movimento, mais se faz sentir a resistência. Isto não quer dizer que o perfeito trabalho de passo não seja a base de todo o ensino e que houvesse “ écuyers ” que com a sua ginástica, ensinassem as suas montadas, como se diz de LUBERSAC trabalhando a passo durante 18 meses ou 2 anos e no fim desse tempo os cavalos estavam ensinados mesmo a trote e galope.
Segundo La Guérinière, o trabalho de trote é essencial também para fixar o pescoço, combatendo a tendência para o amolecimento ( Decarpentry “ Methode de RAABE ” pág. 147 ) e tendo os cavalos usados pela Escola Antiga esta tendência natural, como podemos ver pelos peninsulares, o trote era o andamento base deste método, com toda a razão.
5 ) Para se obter a ligeireza total, Baucher procede por partes, isto é ginástica o maxilar, o pescoço as ganachas, as espáduas, a coluna vertebral, as pernas, etc. separadamente, praticando assim as chamadas acções parciais, divergindo ainda neste ponto da escola antiga que precedia por meio das ações gerais.
Seguindo a tático do general que para destroçar o inimigo, dispersa o seu exército, a fim de, atacando-o separadamente, conseguir a vitória mais facilmente, o “ Novo Método ” por exemplo flexiona o maxilar enquanto o cavaleiro procede assim, o resto do cavalo não se move. Se ginástica a garupa ou as espáduas, deslocando-as, passo por passo, para um e outro lado, a outra destas partes que não se pretende flectir, fica quanto possível parada, só se atingindo a real finalidade do exercício, quando este resultado se obteve.
Temos, assim mais um ponto fundamental da equitação Baucherista : ginasticando-se uma determinada parte do animal, não se deixando que as outras participem no movimento em execução – é uma acção parcial.
As principais acções parciais são : As flexões para o maxilar, ganacha e pescoço, piruetas e rotações directas para as espáduas; piruetas e rotações inversas para o post-mão.
Em consequência deste método, os posteriores nos movimentos laterais cruzam-se pronunciadamente, coisa que os cavaleiros da Escola Antiga pretendiam evitar ( pelo menos segundo SEEGER ) pois tirava a impulsão ao movimento, segundo diziam.
Por conseguinte, o “ piaffer ” não nasce do trote de escola que foi encurtado até vir ao mesmo terreno, mas sim directamente do apoio sucessivo das diagonais “ sur place ”.
O Cap. RAABE diverge de Baucher na maneira de obter o “ piaffer ” – chega a ele por redução do trote, conservando o seu ritmo até à sua execução no mesmo terreno. ( “ Essenciel de la Mêthode de RAABE ”, pág. 119 decarpentry ).
As esporas usadas quando o método apareceu eram de roseta com os bicos acerados. Na 2ª fase foram substituídas por esporas com roseta redonda.
Houve algum tempo, após o desastre que sofreu, em que Baucher montava sem esporas, ao que chamava “ equitação em pantufas ”.
2ª Fase dos ensinamentos de Baucher
O General L’Hotte escreveu, a pág. 105 do “ Souvenirs d’un Officier de Cavalerie : As descobertas de Baucher representaram sempre, para ele, isto de muito especial : a última eclipsava todas as que tinham precedido e constituía aos seus olhos, a última palavra em equitação ”. E a confirmar que era assim, citemos as palavras de Baucher a seu discípulo L’Hotte “ Se neste momento você montasse os meus antigos cavalos Partisan, Capitaine, Neptuno, Buridan, tão admirados porém outrora, não os acharia ensinados, tão grande é a distância que os separa dos meus cavalos de agora ”( pág. 125 ).
Antes de analisar as modificações trazidas por Baucher à sua primitiva maneira de fazer, convém explicar quais as razões que o levaram a proceder assim.
Uma delas foi estranha à sua vontade, pois sofreu um desastre quando trabalhava um cavalo no circo em 1855 o lustre desprendeu-se da cúpula, caiu sobre ele e partiu-lhe a perna direita, houve luxação da anca e do joelho esquerdo e graves contusões no busto, nos ombros e nos rins. Por outro lado, Baucher preocupou-se sempre com os erros que os seus discípulos praticavam, aplicando o “ Novo Método ” principalmente no que diz respeito ao efeito conjunto e ao emprego das esporas e das mãos para o obter.
A sujeitação a que a sua prática submetia, tinha o grande inconveniente de adormecer o animal à espora, apagando a impulsão, quando não era o próprio mestre a montar, ou quando não trabalhava sob as suas vistas.
1) A base do método continua a ser o “ Efeito de conjunto ” e a “ mise en main ” e para obter esta isto é a descontração do maxilar acompanhado da verticalidade do chanfro, tinha Baucher utilizado o processo de aliviar a frente, atirando parte do seu peso para trás por meio do “ ramener ” ou pondo mesmo a cabeça aquém da vertical. Agora, na nova maneira, obtém-se a “ mise en main ” aliviando a frente e transportando também o peso para trás, mas agora começa por elevar o pescoço e descontrair o maxilar com o chanfro além da vertical, podendo ir mesmo até à descontração com o chanfro na horizontal.
Em resumo, as coisas passam-se assim :
Na 1ª fase começa-se pelo “ ramener ” na 2ª o “ ramener ” é consequência do levantamento do ante-mão e do avanço do corpo do cavalo ao encontro da frente. O “ ramener ” deixa de ser como princípio, uma posição da cabeça independente da atitude geral ( 1ª fase ) para passar a ser uma consequência do equilíbrio do cavalo.
2) O efeito conjunto é procurado agora com toda a preocupação por acções cuidadosas da mão e das pernas, deixando de ser o meio normal de restabelecer a ligeireza perdida, para passar a ser empregado, um processo infalível de domínio e portanto só excepcionalmente.
A ligeireza obtém-se somente por acções da mão : por vibração para destruir as resistências de força, isto é as crispações musculares da maxila e do pescoço, por meias paragens, para anular as resistências de peso, transpondo-o do ante-mão, para o quarto traseiro.
3) Constitui regra, que às pernas compete dar a impulsão e às mãos a direcção e a ligeireza, daí o princípio novo “ mãos sem pernas e pernas sem mãos ”.
Vejamos o verdadeiro significado deste princípio segundo o general Decarpentry em “ Piaffer et Passage ” pág. 11 “ se a mão actua ou aumenta a intensidade da acção que estava exercendo, as pernas devem, ou conservar a intensidade da ajuda empregada no momento em que a mão aumenta a sua, ou diminuir essa ajuda consoante os casos, mas nunca aumenta-la durante a acção ou o acréscimo da acção da mão ”.
Segundo a frase de Baucher, a actividade simultânea da mão e da perna ( efeito de conjunto ) faz com que “ uma delas torne a culpa à outra, quando houve erro, daí que tenha preconizado o emprego alternado das ajudas. Aconselha-se mesmo que ao efeito de conjunto empregado agora só excepcionalmente, deve seguir-se uma saída a trote, sem oposição nenhuma da mão, empurrando com as pernas e se necessário, com as esporas.
4) A maneira de fazer as voltas e as rotações é agora com a rédea contrária, actuando a rédea directa para aligeirar. Isto escreveu Baucher em 1864 pois em 1874 na 14ª ed. do seu “ Novo Método ” passa a empregar, além destas, a ajuda da perna interior, para dispor as ancas e auxiliar a rédea exterior.
Nas saídas ao galope, emprega-se mais a perna do mesmo lado, tal como nas voltas e no ladear.
Nas passagens de mão ao galope, acabou Baucher por empregar a perna e a rédea do mesmo lado, ao contrário da 1ª fase em que elas se faziam por acção da perna contrária.
5) As flexões são muito menos exageradas, acabando o trabalho à vara por ter uma importância muito menor no ensino do cavalo, nesta parte em que o flexionamento do maxilar, ganacha e pescoço era muitas vezes exagerada.
6) Outra importante inovação consiste em decompor a força e o movimento.
Se o cavalo em movimento resiste, o cavaleiro para, obriga-o a aligeirar-se e acalma-o, só depois voltando a exigir o exercício que o animal executava.
Todas as vezes que houver perda de equilíbrio, que se manifesta por o cavalo se endurecer ou entortar, o cavaleiro deve proceder assim.
Esta inovação do maior alcance para se obter a ligeireza, aplica-se em certos cavalos mudos, hirtos ou pouco equilibrados, com tanta frequência, que FAVEROT DE KERBRECHT aconselha a “ decompor ao infinito ”.
7) Convém ainda fazer referência às baixadas de mão e de pernas e de mãos e de pernas simultaneamente.
Nas primeiras, o cavaleiro abandona completamente as rédeas sobre o pescoço, continuando a sua montada a fazer por si o ar ou exercício que executava, com a mesma cadência ou ligeireza.
Nas baixadas de pernas, o mesmo deve acontecer, apesar das pernas terem perdido completamente o contacto com os flancos.
O cavalo atinge o auge da perfeição, segundo BAUCHER e FAVEROT DE KERBRECHT, quando consente na baixada simultânea de pernas e mãos, conservando contudo o mesmo brilho, “ rassembler ” ligeireza e cadência, com que trabalhava com o auxílio das ajudas.
Por ser frequente a confusão entre a baixada de mão e a descida de pescoço, convém explicar qual é a diferença : na primeira, o cavaleiro vai largando a pouco e pouco as rédeas sobre o pescoço do cavalo, que conserva a mesma atitude, ficando sem ajuda das mãos, mas continuando a mover-se sem que à vista pareça que elas tenham deixado de actuar. Na descida de pescoço o “ écuyer ” deixa que a sua montada o estenda, enquanto que as pernas vão aumentando a cadência do andamento em que trabalhava. Por exemplo, se a galope curto, se quiser fazer uma descida de pescoço, procurar-se-á que o animal o estenda a pouco e pouco, aumentando progressivamente o andamento, isto é passa da atitude colocada da cabeça em “ ramener ” para a atitude de cabeça baixa e pescoço estendido. Houve portanto, uma alteração de equilíbrio que passou a ser de base mais ampla, enquanto na baixada de mão ele deve manter-se perfeitamente o mesmo, apesar da mão deixar de actuar.
Ainda que normalmente a descida de pescoço deva ser feita por extensão horizontal, pode haver casos em que haja que provocar o abaixamento dele, até a cabeça ficar na direcção do joelho, como DUTILH aconselha.
8) Se no início BAUCHER usava esporas com bicos acerados, acabou por usá-las sem bicos.
9) O freio que ao princípio tinha uma acção bastante forte, foi substituído por um outro da invenção de BAUCHER, com 11 cm apenas de caimbas.
Mais tarde o grande “ écuyer ” passa a usar só o bridão e consegue com ele tão bons resultados que aconselha ao general L’HOTTE “ travaillez avec le bridon parce qu’il est plein de belles choses ”.
Apreciação do método de Baucher
Depois de analisar resumidamente os processos do Baucherismo e a sua evolução, em que é nítida a preocupação constante de aperfeiçoar o método, convém fazer uma apreciação dele, a fim de mostrar o alcance das suas descobertas.
Muitas criticas tem sido feitas por grandes acavleiros, mas não querendo agora analisar o real valor dessas criticas feitas principalmente por STEINBRECHT, SEEGER, FILLIS, D’AURE, SALLINS, etc. permito-me contudo salientar uma, a de GERHARDT, discípulo da 1ª fase de Baucher e que o acusa de plagiato.
( La verité sur la Méthode Baucher Ancienne e Nouvelle, 1869 ). Da leitura deste opúsculo se vê que o alemão CHRISTOFF JACOB LIEBENS, publicou um livro, Reit Buch, em Leipzig, no ano de 1965, que contem princípios iguais aos de Baucherismo e outro alemão HUNERSDORF, publicou em Cassel, no ano de 1791, uma outra obra em que se explicam alguns dos processos do autor do “ Nouvelle Méthode ”. ( A 6ª ed. deste livro foi traduzida para francês pelo Sr. A. De BROSKOSKI, Bruxelas, 1843, com o titulo : Méthode la plus facile et la plus naturelle pour dresser le cheval d’officier et d’amateur ).
O facto de terem aparecido 240 anos antes dois livros prescrevendo alguns dos mesmos processos de “ dressage ” constitui uma grave acusação, a qual contudo não se deve alcunhar de plagiato.
Em principio põe-se em dúvida é o próprio GERHARDT que o escreve, que BAUCHER tenha lido esses autores alemães, mas mesmo que neles se haja inspirado, desenvolveu-os e aperfeiçoou-os muito mais. Por outro lado, se o método Baucherista é dificilmente assimilável pela leitura das obras do mestre, o que seriam então os livros alemães onde ele, segundo se disse, se foi inspirar ?
Se é verdade que ele lá foi beber as águas da ligeireza, concebida de outro modo pela equitação alemã, que praticava LA GUÉRINIÈRE nesse tempo e mais tarde enveredaria pela equitação do apoio do maxilar sobre os ferros, ainda bem que assim foi, pois ter-se-ia perdido o sinal verdadeiro da equitação académica que julgo dever continuar a ser a ligeireza.
Assim pois, se houve plagiato, ou melhor, inspiração em bases já enunciadas noutras obra, Baucher não cairá das culminâncias a que subiu como “ écuyer ” pois soube aproveitar processos que os alemães ainda hoje repudiam, pôs em pratica os ensinamentos desses livros que possivelmente leu, mas inventou muitos outros meios para ensinar o cavalo e na 2ª fase da evolução do seu sistema tudo o que prescreve parece ser só dele e isso bastaria para por um outro cavaleiro que o tivesse inventado, à altura do seu inigualável prestigio.
Vamos agora apreciar algumas questões Baucheristas não com o intuito de as rejeitar, visto que parece tudo nele ser útil, desde que o modo de aplicação seja inspirado por uma acção equestre muito afinada, mas apenas para tentar esclarecer o que é apresentado tanta vez de modo confuso até pelos escritos do próprio Baucher, mas que felizmente se tornaram claros nas obras dos seus discípulos mais celebres, não só os que directamente receberam as suas lições, como os que apesar de terem vivido posteriormente, são contudo de formação Baucherista.
I ) A Atitude a dar à cabeça do cavalo no início do ensino
Na 1ª fase coloca-se o chanfro na vertical antes de mais nada e é com a cabeça nesta posição que se ginasticam as outras partes do corpo. Na 2ª fase a cabeça coloca-se o mais alto possível, podendo o chanfro ficar mesmo na horizontal, pois assim se consegue chegar à descontração do maxilar mais rapidamente. O cavalo vem mais tarde ao “ ramener ” com o pescoço na posição elevada que convém.
A atitude de um cavalo bem arranjado é no fim do ensino, sempre a mesma – as pernas estão metidas, o rim flete-se, o pescoço dobra pelas duas primeiras vertebras, a cabeça está na vertical, o maxilar descontrai-se, etc., etc.
Este é o perfil do cavalo ensinado, porém, os meios usados para o por assim são múltiplos e diferentes conforme as escolas, o tacto de cada cavaleiro e consoante a configuração física e temperamento de cada animal.
Portanto voltando ao Baucherismo, parece-me poder-se chegar ao bom ensino pelos dois métodos por ele apresentados, mas contudo julgo ter o segundo menos perigos que o primeiro, para o cavaleiro de tacto normal. Acontece, porém, haver casos em que creio indispensável o uso da 1ª maneira.
Acho que levantar sistematicamente a cabeça a um individuo de pescoço grosso e sobretudo de mau dorso e pernas fracas é ensina-lo a enterrar-se no garrote e transportando o peso para trás, sobrecarregar demasiado o post-mão que é geralmente débil em proporção à frente.
Este caso é típico entre nós, pois os cavalos peninsulares têm por raça uma frente poderosa ( pescoço grosso, ganacha larga, cabeça grande ) e sendo o post-mão a maior parte das vezes débil, não podemos sobrecarrega-lo levantando a cabeça e o pescoço, pois esta atitude esmaga-o, tirando-lhe toda a mobilidade, fica sentado.
Por outro lado, como as ganachas são grossas, não permitem a fácil verticalidade da cabeça e daí que a resultante descontração do maxilar com a cabeça alta, ou seja o “ ramener ” não se atinja normalmente, quando se emprega este meio em animais de constituição semelhante à descrita nas linhas acima.
Como coloca-lo então ? Aplicando flexões ao pescoço e ao maxilar, com a cabeça na posição normal para que o cavalo ponha o chanfro na vertical e obtida esta atitude que favorece a entrada dos posteriores, procurar-se-á que estes se metam a pouco e pouco sob a massa, só depois procedendo de maneira a que a frente se eleve até à posição que a configuração física do animal permite suportar.
Assim evitamos que o post-mão seja sobrecarregado pelo peso do pescoço e da cabeça que são as partes mais pesadas do corpo do animal e conseguimos colocar esta numa atitude correcta que facilita a entrada dos posteriores.
Quanto ao andamento em que esta posição da frente se tem que confirmar, convém dizer que com cavalos peninsulares de propensão natural para os andamentos concentrados é neles que se devem trabalhar, visto corresponderem ao seu equilíbrio natural, só passando aos movimentos muito amplos depois dos curtos, para eles mais fáceis, estarem confirmados. O contrário se passará, em regra, como os cavalos de sangue.
Procedendo como acima explicamos, fizemos Baucherismo da 1ª fase, havendo que ter em conta apenas o grau maior ou menor de colocação do ant-mão e do post-mão para que a impulsão não seja perturbada. Isto é muito importante, pois não há dúvida de que foi a medida excessiva no emprego dos processos do baucherismo primitivo que se tornou no seu principal defeito.
Na verdade o “ Novo Método ” dando os meios para se conseguir uma sujeição absoluta do cavalo, punha ao dispor do equitador uma arma de dois gumes – submetia o animal absolutamente, mas havia que saber até que ponto se poderia utiliza-lo sem prejuízo, pois com o seu emprego exagerado podia-se acuar, ou pelo menos tornar “ indiferente ” o animal mais fogoso e impulsivo.”
E isto aconteceu tantas vezes aos que queriam pôr em prática o baucherismo sem cuidarem da medida exacta dos seus processos, que LOUIS RUL, discípulo dilecto de BAUCHER escreveu :
“ Il faudrait un volume pour écrire toutes les applications Burlesques, Ridicules, à contre poil (sic) que j’ai vu faire de la méthode. ”
“ L’un a tellement confundu les functions des jambes et de la main que le cheval recule au lieu d’avancer … et cependant il a appliqué la méthode de BAUCHER ! Un autre a tellement affaissé l’encolure que son cheval ressemble à un chercheur de truffes plutôt qu’a la plus belle conquête de l’homme :
Méthode BAUCHER ! Un autre amateur frais émoulu du collège, qui se croit cavalier parce qu’il a usé deux fois ses vingt quatre cachets de manège a voulu faire de la méthode BAUCHER.
“ Oh surprise ! son cheval n’anvance ni ne recule, mais tourne en place avec la rapidité de l’enfileur de perles indoustaniques : Satanée Méthode !
“ Un quatrième à si inègalement reparti le poids que son cheval, au lieu de marcher droid, parcourt incessamment la ligne diagonale. On croirait voir un de ces collégiens arpentant les yeux bandés, la pelouse de Versailles :
E sempre la méthode de BAUCHER !
Todos estes factos levaram o mestre a modificar os seus primeiros ensinamentos, mas quanto a mim isto não quer dizer que tenhamos de esquecer por completo a 1ª fase do seu pensamento equestre, pois como já disse, casos há em que só ela constitui meio eficiente de ensinar determinados cavalos.
O general DECARPENTRY ( Méthode de RAABE, pag. 148 ) admite a elevação da frente apenas por momentos por meio das meias paragens sobre a rédea isolada, o que me parece constituir uma aplicação do princípio “ a posição sobrecarrega e o gesto alivia ”.
II) O Efeito de Conjunto
Foi aplicado de início como meio normal de combater as resistências, acabando por ser usado apenas como processo infalível de restabelecer a ligeireza perdida e portanto, só excepcionalmente.
Na sua aplicação é preciso usar de toda a cautela e tacto, lembrando-nos que se a espora bem usada é um auxiliar precioso do ensino, empregada fora de propósito tem os perigos da “ navalha usada nas mãos do macaco ”.
Parece ter sido ela ( a espora ) a razão principal da parcial mas importante falência dos métodos da 1ª fase e a propósito escreve EUGENE CARON, discípulo de BAUCHER, que “ na escola de Saumur dirigida por NOVITAL, outro discípulo do grande mestre, “ tous le monde a du sang à ses éperons. Cepandant à Paris, aux leçons de Monsieur BAUCHER, personne n’en a vu une goutte ”.
E como dizia RUL, as culpas da má aplicação do método recaíam sempre sobre o seu autor e não sobre quem aplicava ! “ Satanée Méthode ” !
III) O Principio “ Mãos sem pernas e pernas sem mãos ”.
Este processo baucherista foi concebido para evitar os maus resultados da deficiente aplicação do efeito conjunto, por cavaleiros pouco habilidosos, e apenas no que diz respeito à equitação corrente, isto é à baixa escola e pouco mais.
Os bons cavaleiros deviam aplica-lo também, não em substituição do efeito conjunto, mas apenas com o intuito de aperfeiçoarem o tacto da mão e das pernas, actuando com as ajudas separadamente.
Quis-se ver no aparecimento deste princípio a condenação do “ effect d’ensemble ” o que levou GERHARDT discípulo da 1ª fase a exclamar :
“ Alors BAUCHER n’est plus BAUCHER “
Passaram os primeiros entusiasmos provocados pela nova descoberta e do balanço dos resultados obtidos, tudo ficou com o seu lugar próprio : “ main sans jambés et jambés sans mains ” para a equitação corrente e “ effet d’ensemble ” para a Alta Escola.
A questão ficou posta neste pé, segundo L’HOTTE o que equivale dizer, dada a sua seriedade como homem, escritor e cavaleiro, que também BAUCHER pensava assim do novo princípio. Julgo porém que o novo processo foi bastante aperfeiçoado pelos grandes “ écuyers ” franceses general BARON FAVEROT de KERBRECHT, Cap. BEUDANT e ultimamente pelo general DECARPENTRY e pelo coronel JOUSSEAUME que o empregam não só na baixa como na Alta Escola.
É na verdade excelente a sua prática mesmo nos complicados ares de Equitação Académica, se conceber o princípio cujo estudo nos ocupa, como o general DECARPENTRY o descreve na pág. 11 de “ Piaffer et Passage ” que voltamos a repetir :
“ Se a mão actua da mesma forma ou aumenta a intensidade da acção que estava exercendo, as pernas devem, ou conservar a mesma pressão da ajuda empregada no momento em que a mão aumenta a sua, ou diminuir essa ajuda consoante os casos, mas nunca aumentá-la durante a acção ou acréscimo da acção da mão”.
Assim concebido, o princípio não se confunde com as baixadas de mão ou de pernas, visto que estas exigem que o cavalo continue o ar que se lhes pedira, apesar do cavaleiro ter desligado as pernas dos flancos e ter abandonado inteiramente as rédeas sobre o pescoço.
Claro que, quando expusemos acima os significados do princípio “ mãos sem pernas e pernas sem mãos ” segundo BAUCHER e DECARPENTRY verificámos uma pequena diferença que com certeza é teórica, visto que o seu tacto de grandes cavaleiros lhes ditava por certo a sua correcta aplicação.
Verdadeiramente, o cavalo bem ensinado balança-se entre a perna e a mão com aquela ligeireza e suavidade ritmada, característica do “ cheval qui se plait dans sona ir ” e com o domínio por parte do cavaleiro sobre o seu cavalo que, por aplicação deste processo, acaba por atingir o grau máximo de equilíbrio instável, ou como diz SALLINS fica “ sur la boule ”.
IV) Acções Gerais e Acções Parciais
Já vimos que BAUCHER não usou os processos da Escola Antiga, visto entender que não eram adequados à equitação do seu tempo que passou a ter outra finalidade e também porque o cavalo apresenta então uma constituição e temperamento adequados a ela.
A este novo cavalo, o de sangue, não podia BAUCHER pensar em sentá-lo por meio de pilões, tinha que sujeitá-lo sim, mas para isso bastou-lhe o seu tacto inigualável que lhe ia ditando quais os processos de que se devia servir para consegui-lo.
Cabe, porém perguntar se apesar de BAUCHER ser o criador da equitação moderna, nada terá ficado dos processos da escola antiga que interesse conservar e praticar ? Posta de parte a concepção de que a equitação académica tem por fim ensinar ares altos, não haverá exercícios empregados pela Antiga Escola que convenha aplicar ainda hoje ?
É quanto ao emprego das acções gerais que este problema toma, quanto a mim, mais interesse.
Sabemos que a Escola Antiga as empregava e também que BAUCHER as repudiava segundo dizia, preferindo as acções parciais por ser mais fácil combater as resistências uma a uma. Daqui se concluí que quem emprega as acçoes gerais não faz baucherismo.
Mas será assim realmente ?
Mas será assim realmente ?
O que é afinal o “ effet d’ensemble ” ? Para mim é uma acção geral, visto que por ele se procura que as pernas entrem sob a massa, que o dorso se ginastique, que o pescoço dobre pelas últimas vertebras e que o maxilar se descontraia.
Qual é a acção a que melhora o passo, trote e galope ?
É também uma acção geral e não resta dúvida que BAUCHER usou este processo da Escola Antiga, pois utilizou os três andamentos naturais do cavalo e não se limitou a flexionar separadamente ( acções parciais ) o maxilar, o pescoço, as ancas, etc.
E o recuar ?
Este exercício, quando executado irregularmente, como quase sempre acontece ao princípio, atinge apenas os rins e os posteriores, por isso é então apenas uma acção local. Mais tarde, quando o recuar se faz a passo por passo, estando o cavalo colocado e ligeiro é uma acção geral.
Este é mais um exemplo para se poder afirmar que BAUCHER se servia das acções gerais e no caso do recuar, esta verdade tem muita importância, visto que o considere um exercício básico e diz-se que ao princípio ele recuava os seus cavalos 100 passos e avançava somente 10.
E os famosos ataques com o cavalo parado e mão fixa ? são outro exemplo de acção geral empregada pelo sistema baucherista.
Cabe perguntar como é que praticando BAUCHER os dois géneros de exercícios, os conciliava na prática, pois teoricamente nos seus escritos repudiou as acções gerais !
Logicamente devia começar pelas acçoes parciais, pois se bem compreende que de início nenhum cavalo consente, por exemplo, no efeito de conjunto parado ou no recuar correcto.
É depois de estar apto em cada uma das suas partes que BAUCHER pratica a acção geral, pondo em movimento ao mesmo tempo os músculos e as articulações que haviam sido ginasticadas prévia e separadamente.
Por exemplo, só depois de praticar as flexões do maxilar, do pescoço, as piruetas directas e inversas ( acções parciais ) é que se começa o recuar, só perfeito desde que atinja todas as partes do animal, isto é desde que se transformou uma acção geral.
A confirmar RAABE começa as piruetas pela acção geral a que chama “ oposição lateral da espádua à anca ”. ( pág. 70 )
As Resistências de peso e de Força e as Acções Gerais e Parciais
Como se combatem as resistências de peso e de força ? Com acções gerais ou parciais ?
Já sabemos que estas resistências se referem, as primeiras às irregularidades do equilíbrio geral e as segundas às crispações musculares.
Quanto às resistências de força, Baucher emprega apenas acções parciais ( vibrações “ assouplissements ” das diferentes partes do cavalo feitos separadamente ) ao contrário da escola antiga que empregava para as combater, exercícios de conjunto que atingiam simultaneamente toda a massa muscular, todas as resistências do cavalo ao mesmo tempo.
Quanto às resistências de peso a questão não se chega sequer a por, porque mesmo que se queira, não se pode combate-las por meio de acções parciais.
Qualquer acção ( BAUCHER usava o demi-arrêt que é diferente do de SALLINS ) empregada para retirar peso excessivo do anterior sobre o posterior e vice versa, incide fatalmente sobre o equilíbrio geral e portanto, não pode deixar de ser uma acção com imediato efeito sobre todo o cavalo.
Qualquer acção ( BAUCHER usava o demi-arrêt que é diferente do de SALLINS ) empregada para retirar peso excessivo do anterior sobre o posterior e vice versa, incide fatalmente sobre o equilíbrio geral e portanto, não pode deixar de ser uma acção com imediato efeito sobre todo o cavalo.
Acção Geral e Parcial Simultâneas
Analisando a fundo o problema que nos ocupa, chegamos à conclusão de que BAUCHER usou a acção geral e parcial ao mesmo tempo.
Nas mudanças de direcção, nas voltas, nas duas pistas, usa-se a rédea exterior para dar direcção ao cavalo – acção geral – e simultaneamente a rédea interior por vibração, para manter a descontração do maxilar – acção parcial.
A confirmar que é assim RAABE, discípulo de BAUCHER, preconiza para obter a flexão obliqua do pescoço em andamento, em cavalos de grande energia, a rédea direita do bridão, para procurar a flexão à direita e a rédea esquerda do freio, para obter o “ ramener ” que de certo modo é uma acção geral, visto que para a sua obtenção correcta intervêm o maxilar, a nuca e o pescoço, dependendo a sua conservação também do dorso e das pernas, sobretudo em andamento.
( A questão das acções gerais e parciais tratada acima é muito pouco versada nas obras dos tratadistas, sendo as conclusões a que chegamos extraídas da correspondência trocada a este respeito entre o VISCONDE DE PAÇO NESPEREIRA E O AUTOR ).
Parte IV
Panorama Actual da Equitação de Escola
Analisadas ainda que sumariamente algumas questões referentes à arte de ensinar cavalos, tais como o seu enquadramento entre os diferentes ramos da equitação, as suas características e os seus dois grandes sistemas, convém estudá-la nos nossos tempos a fim de que, da comparação do presente com o pretérito, ressalte o verdadeiro valor da equitação académica contemporânea.
Ainda durante a existência das Academias Reais cujos tempos áureos coincidem com o séc. XVIII começa a aparecer ao lado da equitação de escola, a equitação propriamente militar iniciada em França por d’ AUVERGNE e que se desenvolveu simplificando os métodos da equitação académica.
Sabemos que hoje o cavalo desapareceu quase completamente dos quarteis, sendo substituído por múltiplos engenhos, contudo entendemos que ele não deveria ser completamente banido como elemento de treino do soldado, que lhe faz adquirir e desenvolver o “ Espírito de Cavalaria ” pela necessidade de dominar a todo o instante uma vontade viva com reações bruscas e múltiplas, que dá ao cavaleiro menos desembaraçado a audácia, a descontração, o golpe de vista, a decisão rápida o desprezo pelo perigo. ( “ Ecuyers de Sammur ” Decarpentry pág. 14 ).
Não há duvida de que, se o cavalo despareceu do campo de batalha o “ Espirito da Cavalaria ” deve sobreviver e há muitos anos já o General WEYGANG escreveu “ seja qual for a evolução que o futuro lhe reserva, haverá sempre uma cavalaria, quer dizer, uma arma mais rápida que o conjunto do corpo de batalha, cuja função, será reconhecer, manobrar, perseguir e que levada por um cavalo ou por um carro de ferro, encontrará o êxito na audácia, na rapidez, na surpresa, que em suma terá de fazer prova de Espírito de Cavalaria com tudo o que este espírito deve compreender em si de decisão, de lealdade, de elegância, de porte e de espírito, de prazer no risco também.
“ A cavalaria mudou de cavalos mas o seu Espírito terá de sobreviver ! “
Enquanto a equitação seguia o seu caminho próprio, desligando-se da Equitação de Escola, aliás por muitos considerada de origem guerreira, esta sai das academias que haviam fechado as suas portas e passa a viver apenas nalgum picadeiro civil, por vezes no circo e nalguma escola militar, como Saummur, ou civil como a de Viena.
Foram passageiros os entusiasmos que o método de F. Baucher trouxe ao mundo de equitação de escola, passando ela a ser desprezada pelos homens que não precisam do cavalo para se deslocarem, ou preferem utilizá-lo com outra finalidade.
Em Portugal o cavaleiro monta ainda um pouco com a preocupação do “ arranjo ” da sua montada, certamente porque por temperamento gosta que o seu cavalo seja manejável, como também porque o toureio equestre, nascido e cultivado entre nós, submete-o a uma preparação especial baseada na equitação académica. Daí que esse espectáculo tão nosso, alimente o entusiasmo e sirva de exemplo, infelizmente nem sempre recomendável, para os poucos que ainda hoje montam com o fim de ensinar a sua montada.
A Alta Escola é pois, praticada hoje em dia nas provas de ensino e neste aspecto é internacional, visto que as federações equestres de cada país adoptam os programas da F.E.I. nos circos um ou outro cavaleiro com honradez, tacto e tempo para por de parte, os meios artificiais da equitação circense, entre nós no toureio a cavalam e num outro picadeiro em que o mestre pratica e ensina ainda este ramo superior de utilização do cavalo.
Capítulo I
A Equitação de Escola dos Programas da F.E.I.
As provas de “ Dressage ” que hoje se efectuam sob os auspícios da F.E.I. com a colaboração das federações equestres de cada país, são moldadas em programas obrigatórios que “ compreendem dificuldades graduadas, segundo a sua classe e o grau de ensino dos cavalos a que se destinam ” ( Decarpentry, “ Equitation Academique, pág 20 ).
Assim, das quatro provas do programa, a primeira e mais simples, pretende que o cavalo, tendo de vencer as dificuldades dos duros obstáculos de campo e de uma prova de saltos, conheça os rudimentares das ajudas e os movimentos laterais e longitudinais que o ginasticam, naquele equilíbrio estendido que lhe permita abordar mais facilmente a velocidade de um “ staple ” ou a violência de um “ cross ”.
A segunda prova a de S. Jorge, sendo mais complicada, destina-se a mostrar um maior grau de ensino, não só através dos exercícios que prescreve, como pela sujeição que o cavalo tem de apresentar.
A última destas provas é o Grande Prémio de Ensino e nele se abordam os grandes problemas da equitação académica. É feita para um cavalo especializado neste trabalho, visto ser de grande dificuldade.
Analisando cada uma destas “ reprises ” individuais, vemos que a primeira corresponde perfeitamente ao que dela se exige, visto o cavalo de campo ter necessidade de se manter num equilíbrio relativamente estendido que lhe permita a fácil dos seus recursos físicos, assim como o apoio leve na mão é de admitir mesmo ao realizar a prova de ensino, visto que ele se torna necessário para a boa condução em terreno acidentado e com obstáculos.
Quanto às provas mais complicadas, as que directamente nos interessam por se aplicarem aos cavalos de escola propriamente ditos, concordamos também com os seus programas, pois não há dúvida de que tudo o que neles se tem de executar, são exercícios e ares por todos considerados como capazes de mostrar mérito do equitador, porém na classificação geral a escolha dos melhores é feita segundo um critério que quanto a mim, merece alguns reparos.
A classificação das provas de Equitação Académica propriamente ditas podem quanto a nós criticar-se tecnicamente sob três aspectos : pela preferência dada aos cavalos de andamentos naturalmente amplos, pela atribuição da mesma pontuação a exercícios de dificuldade manifestamente diversa, pela prevalência dada à certeza de um exercício em detrimento da sua beleza.
Estas provas podem criticar-se ainda, quando o júri é internacional, com a seguinte afirmação : cada juiz “ classifica sempre os seus compatriotas nos primeiros lugares ” e “ há juízes que classificam sistematicamente mal os concorrentes de determinados países ”.
( Major Reymão Nogueira, “ Ano Hípico Português ”. 1956-56 )
( Major Reymão Nogueira, “ Ano Hípico Português ”. 1956-56 )
I ) Preferência dada aos cavalos de andamentos naturalmente amplos
É compreensível que os animais escolhidos sejam os de belas formas naturais e andamentos amplos e soltos, visto que vivemos na época dos cavalos de sangue e de configuração mais ou menos longilínea, o que não quer dizer que esses animais não tenham mais dificuldades para entrarem na execução dos ares concentrados, do que qualquer outro de sangue peninsular.
Se o “ Grand Prix de Dressage dos jogos Olímpicos “ é uma obra de arte em que não intervém somente o cavaleiro : é um conjunto em que tudo tem valor : a beleza e os andamentos do animal, a apresentação do cavaleiro e a sua própria arte, ( Barão de Grovesthius em “ Ano Hípico Português ” 1956-57 ) como se pode achar beleza a uma “ passage “ ou “ “ piaffer ” da maioria dos cavalos de sangue que a ele concorrem ?
Pode-se classifica-los como ares correctamente praticados, mas nunca ou quase nunca terão aquela imponência que os peninsulares apresentam na execução deles.
Não quero com isto dizer que os andaluzes passem a ser os animais preferidos para estas provas de ensino, o que quero lembrar é que o bom peninsular, infelizmente raro mas existente, põe uma beleza e imponência em certos trabalhos não igualados por nenhum outro animal de raça diversa e não foi por outra razão que até aos princípios do séc. XIX ele foi considerado o cavalo por excelência, para os cavalos de equitação académica.
Todos conhecemos animais desta raça que além da facilidade natural em se meterem nas pernas, possuem andamentos amplos, que andam para diante, como se costuma dizer e que apesar de não terem uma amplitude tão grande de movimentos, estes são contudo largos e sobretudo airosos, na maneira como fazem mover os seus membros.
Pena é que haja tão poucos exemplares desta raça que correspondam, sobretudo em andamentos, ao que acima ficou expresso, pois de outro modo poderíamos apresenta-los às provas de ensino internacionais e mostrar por comparação, que a não ser no passo e em certos ares de galope, o bom cavalo andaluz, garboso e com andamentos para diante, tem ainda qualidades natas que continuam a fazer dele um excelente cavalo de escola.
Os concorrentes e os juízes que se lembrem do que DAUDEL escreveu acerca da “ passage ” : “ c’est una ir majestueux… il ne soufre pas la mediocrité !!! E vejam se este ar praticado por um cavalo de sangue não é muito mais pobre do que o de um bom peninsular.
II ) A atribuição de pontos a cada concorrente é feita por critérios dispares que, combinados com o patriotismo de cada membro do jury, levam a resultados absolutamente incríveis. “ Um cavaleiro classificado pelo juiz A em 1º pelo B em 9º outro classificado pelo juiz B em 2º e pelo A em 15º ( Ano hípico Português, 1956-57 ) nos jogos olímpicos de 1956.
Outro facto absolutamente inacreditável é atribuir-se o mesmo coeficiente na pontuação de exercícios de dificuldade manifestamente diversa, tais como a passagem do trote curto ao largo e uma transição do “ piaffer ” à “ passage ”. ( entre parêntesis diga-se que, nos últimos jogos olímpicos havia uma valorização especial para a “ passage ” e “ piaffer ” mas no último momento, com a eliminação dos coeficientes, destruiu-se essa vantagem… para os que a tinham “ Ano Hípico Português ” 1956-57, pág. 40 )
Por mais que se diga que estes dois últimos ares são naturais ao cavalo, quem alguma vez os tenha procurado ensinar, sabe bem as dificuldades que encontra e que de maneira nenhuma, se comparam com um alargamento de trote. Uma transição de “ passage ” ao “ piaffer ” e vice versa, depende sobretudo da habilidade do cavaleiro, enquanto que os alargamentos ou encurtamentos dos três andamentos refletem o sangue, a raça, o equilíbrio do cavalo e portanto dependem quase exclusivamente dele.
Quando se dá a mesma pontuação a um ar obtido pela habilidade do cavaleiro, a um outro dependendo quase só do cavalo, pomos o homem em dificuldade com o animal, visto não se atribuir valor ao tacto e à inteligência que demonstrou.
Continuando a classificar assim, entendo que os prémios não devem ser aceites pelos cavaleiros, visto que os classificam no mesmo plano dos animais que montam e que pondo-se no seu lugar de seres inteligentes os cedem aos criadores das suas montadas.
De ano para ano, as diferenças foram esbatendo, os estilos das duas escolas aproximaram-se e felizmente para a arte, sem se confundirem completamente.
Se Grande Prémio Olímpico de Ensino é uma prova de equitação de Alta Escola, deve premiar o seu criador que é o homem, ao passo que classificar assim é escolher cavalos e não cavaleiros e então não se lhe chame pomposamente Grande Prémio, Olimpíadas, etc. mas sim concurso dos cavalos que já nasceram ensinados.
Que é assim di-lo também LICART em Éperon de Fevereiro de 1956 “ Les épreuves de dressage ne sont ni examens d’équitation ni presentation de modèle et allures ” e mostrando conhecer bem a influência de alguns dos membros do jury sobre os outros, o que vem a falsear a classificação final, o mesmo autor não hesita aconselhar a separação de cada juiz, que teria um secretário “ a fim da sua atenção nunca se desviar da prova. Depois de cada uma destas, as fichas seriam neutralizadas no secretariado, que faria as operações de classificação necessárias ” .
III ) Preferência da certeza à Beleza dos Ares
Disse ao falar das características das provas de ensino actuais, que nelas se preferia a certeza à beleza de certo ar. Vejamos, pois como a equitação alemã que se caracteriza pela precisão, se encontrou com a concepção francesa que dá ao brilho o mesmo valor da certeza.
Analisemos resumidamente a evolução que esta arte sofreu em França e Além Reno ( Notas misturadas com as de “ Equitation Académique ” de Decarpentry ).
“ Quando a escola de equitação de Versailles herdeira dos cavaleiros da Renascença Italiana, acabou definitivamente em 1830, os seus ensinamentos passaram para Saumur através das “ passages ” daquela, porém o conde d’Aure, ainda que discípulo da famosa academia, quando foi nomeado comandante de Saumur, soube por de parte o ensinamento da equitação académica, para fazer prevalecer um método prático que era o que mais convinha a uma escola militar.
Isto não quer dizer que ele no seus próprios cavalos ou que os instrutores, nos que lhes eram distribuídos, ou ainda nas “ reprises ” de conjunto ou individuais das festas de Saumur, se não praticassem ares ou saltos de escola, segundo os princípios de Versailles.
O aparecimento do baucherismo trouxe uma nova era à equitação e houve então algumas tentativas da sua introdução no exército. Desde Novital discípulo de Baucher e chefe de Saumur, até às experiências que o grande inovador realizou perante altas patentes do exercito francês, tudo se fez para que o “ novo método ” fosse nele introduzido, mas ainda bem que isto não aconteceu pois só seria assimilado dificilmente pelos soldados, com os consequentes perigos que ainda hoje apresenta para os cavaleiros de tacto medíocre.
Portanto hoje a equitação militar é essencialmente d’Aurista, enquanto que a moderna Alta Escola francesa vive do Baucherismo explicado pelo general L’Hotte, que com as suas “ Questions Equestres ” e “ Un Officier de Cavalerie ” constitui o actual corpo de doutrina deste estilo no ensino da equitação. ( Constata-se assim mais uma vez a grande influência de BAUCHER até ele toda a equitação era a mesma em França e nos povos Germânicos, ao passo que o seu método trás a cisão, pois apesar de conhecido e criticado, não teve praticamente nenhuns adeptos entre os cavaleiros de Além Reno que continuaram fieis a LA GUERINIÉRE ).
Enquanto que a escola francesa passou por todas as vicissitudes desta longa evolução, a de Viena, metrópole equestre da Europa Central, ficava praticamente imutável na sua doutrina. Proclamava a sua fidelidade aos princípios de LA GGUERINIÉRE, cuja obra continuava a ser a “ Bíblia Equestre ” enquanto qualificava BAUCHER como “ Fossoyeur de L’Equitation Française ”.
Com efeito se a escola Germânica conservava a progressão deste “ écuyer ” que não era do seu sangue, a aplicação que ela fazia dos seus processos tinha sofrido algumas alterações inerentes às diferenças étnicas dos povos que separavam o Danúbio e o Reno.
Sem nunca chegarem à brutalidade, estes cavaleiros persistiram voluntariamente na oposição directa às forças de resistência do cavalo, de preferência à dissociação destas ( baucherismo ).
No que respeita a domínio, exigiam a capitulação incondicional do cavalo, preferindo não procurar o seu concurso generoso para a perfeição da obra comum.
Ligavam mais importância à rigorosa exactidão na execução do que à alegre desenvoltura nas suas atitudes e gestos.
Por não terem contactos com o estrangeiro, críticas e entusiasmo, a escola germânica descansava um pouco demais admirando os resultados obtidos no passado, aliás incontestavelmente brilhantes.
Nos princípios do séc. XX as duas escolas ignoravam-se mutuamente e coube a honra à F.E.I. de as ter posto em presença, permitindo que se defrontassem em competições periódicas.
Ao princípio as duas maneiras de fazer opunham-se completamente. Os cavalos da “ Escola Romana ” como é conhecida a escola francesa para além do Reno, mostravam mais boa vontade que excatidão no seu domínio e mais facilidade que aplicação no seu trabalho.
Os seus cavaleiros pareciam ter, no ensino, esquivando mais as dificuldades do que tê-las resolvido e apresentavam, no decorrer das “ reprises ” um demasiado à vontade na sua atitude e mostravam-se pouco exigentes na condução do cavalo.
Por seu lado, os cavalos da Escola Germânica, apresentavam uma exemplar subjugação, um pouco forçada e as vezes apática e também uma precisão rigorosa, mais mecanizada que animada, na execução do seu dever.
O valor dos resultados obtidos manifestava a estudiosa aplicação dos equitadores, ao passo que os cavaleiros deixavam muitas vezes transparecer nas suas apresentações, a persistência de um esforço visivelmente laborioso.
As divergências de opinião entre os juízes não eram menos pronunciadas, conforme pertenciam a uma ou outra das escolas e as classificações eram dificílimas de estabelecer e provocavam discussões apaixonadas.
Mas os concorrentes souberam rapidamente tirar partido da observação recíproca. Abandonarem aquilo que na sua maneira peculiar se julgava vantajoso, cada um esforçou-se por lhe juntar aquilo que aprovava no ensino do vizinho.
Da mesma maneira, uma comum noção “ do bem e do mal ” estabeleceu-se entre os júris, sob a falta autoridade artística do Presidente da F.E.I. o general Von Holzing e foi apenas na escala de valores relativos, que passaram a substituir pequenas diferenças na apreciação dos juízes ”.
Explicados os factos que levaram a equitação francesa e alemã a conciliarem bastantes dos seus pontos de vista, se bem que continuem a ser duas maneiras bastante distintas, surge a pergunta – como é que só há relativamente pouco tempo esta questão apareceu.
Competições e Exibições
Para responder à questão posta, convém estabelecer a diferença entre Exibições ou Apresentações e Competições.
As primeiras, singulares ou colectivas, existem desde que há Equitação de Escola, cuja função era treinar-se em paz exibindo-se, para combater melhor nas guerras, aplicando a preparação feita em tréguas. Outra coisa não eram os diferentes jogos que se praticavam, tais como a escaramuça, o jogo do mostrengo, o das pombas, etc.
Com a competição, a “ reprise ” passa a ser de valor probatório, isto é deixa de ter um caracter puramente espectacular como as primeiras, para por em evidência a qualidade relativa do trabalho executado pelos diferentes candidatos. Impõem a este um programa necessariamente comum, servindo de base às comparações que permitem uma classificação.
Portanto as provas da F.E.I. são de competição e por isso os seus programas têm que ser diferentes das de Apresentação que até aí tinha havido e que felizmente ainda há, dos quais me permito salientar os espectáculos da Escola Espanhola de Equitação de Viena e da Escola de Saumur.
A
Prevalência do Critério Germânico nos Júris internacionais
Mas as coisas como se passam na
realidade, por razões patrióticas, políticas e pouco hípicas, são que, cada juiz
favorece a sua concepçã, quando não é o cavaleiro do seu país e como a maioria
deles é actualmente de formação equestre germânica é o estilo da Escola de além
Reno que predomina e é claro, os concorrentes preparam-se para isso, de modo
que o Coronel Lesage, vencedor dos jogos olímpicos de Los Angeles em 1932 disse
a propósito das grandes provas internacionais : “ Mais vale ter um cavalo em
contacto franco na mão do que um cavalo susceptível de estar demasiado falador ”
( Eperon de Fevereiro de 1957 ). Quando é um cavaleiro francês “ ecuyer en chef
de Saumur ” que diz isto, está suficientemente provado que passou para primeiro
plano nas exigências do cavalo ensinado a prisão dos movimentos, enquanto
que “ antes da 1ª guerra o grande critério era o do cavalo que sabia empregar o
seu dorso ” ( M. Gham em Eperon de Fevereiro de 1957 ) quer dizer que se
atendia então à flexibilidade e à impulsão e ligeireza derivada dela, antes de
mais nada.
Mas trouxe realmente a
concepção alemã algum benefício para o progresso da equitação académica contemporânea
?
Julgo que sim, visto as provas
de ensino serem julgadas segundo o seu critério e exigirem por isso uma
precisão de ajudas enorme e o facto de um cavalo não descontrair o maxilar inferior
auxilia muito a execução perfeita dos movimentos pedidos. Porém é bom dizer
desde já que a exactidão nos exercícios é facilitada pelo encosto ainda
que leve do maxilar sobre os ferros, mas não é atributo exclusivo dele ( encosto
) sendo possível atingir essa precisão de movimentos com o cavalo ligeiro de
boca, se bem que por este meio seja mais difícil lá chegar.
Houve de facto um benefício
trazido pela concepção alemã, que foi poderem dedicar-se aos trabalhos de
escola das modernas provas de ensino muito mais cavaleiros que antigamente,
visto que a equitação do encosto ter vindo facilitar a tarefa.
Mas será isto realmente um
contributo valioso para a verdadeira equitação académica ?
A
Ligeireza Como Característica comum de várias actividades
Parece não haver dúvida de que a equitação da
ligeireza verdadeiramente entendida, não é para todos, por ser muito difícil de
executar conciliando-a com as modernas exigências visando a precisão, contudo
parece-me dever ela continuar a ser manifestação no cavalo, do tacto do
cavaleiro. Porém, desde que a ligeireza deixe de o preocupar, haverá mais “
ecuyers ” mais concorrentes às provas, haverá mais quantidade e menos
qualidade…e não nos esqueçamos de quanto a esta, mesmo nos tempos áureos da
equitação académica, os grandes equitadores não foram muitos ao mesmo tempo.
Não se queira, pois fazer mais vinho, juntando-lhe água !
Detenhamo-nos um pouco na
análise da ligeireza e comecemos por lembrar que, duma maneira geral, ela
caracteriza muitas actividades por vezes nem mesmo artísticas.
Toda a teoria do
“ relaxe ” empregada com fins medicinais, estáticos ou desportivos, outra coisa
não é senão a ligeireza tornada em hábito que faz com que o indivíduo ponha em
acção apenas os músculos necessários ao esforço que produz, chegando por
consequência a torna-los capazes dum relaxamento completo.
Tudo o que é feito sem empregar
apenas o esforço necessário, não se pode executar durante muito tempo, porque
cansa e qualidade do trabalho nunca poderá ser da melhor se houver uma força
inutilmente empregada. Citemos o caso descrito pelo grande toureiro Juan
Belmonte na página 94 do livro de Luiz Bollain “ Los Génios de cerca, Belmonte ”.
“ …Antonio Bienvenida, en una das suas tarde
inspiradas, perdiu la muleta seguan estaba citando para el natural. Una parte del
publico se echó reir, otra la integrada por la viejísima generación de
aficionados seguramente haría un gesto despectivo, por considerar el episodio
como signo de debilidad feminoide del torero, pero yo a la visto del “ desarme ”
a palo seco, me hice firme en mi concepto del arte de torear. Aquella tarde
Antonio estaba siendo poeta “ del torero, estaba venciendo a los toros con la “
suave caricia ” de su muleta. Mas, para acariciar suavemente, suavemente habia
que cojer el engano y tan suavemente lo cojio… que se le cayó al suelo antes de
que el toro iniciara la embestida.
“ Hace poco, saboreando un cigarro puro de calidad
exquisita, he llegado a tal puento de deleite que, muietas lo fumaba se me ha
caído dos o tres veces de la mano. Compreenden “ ustedes ” ? Aquella laxitude,
aquel “ sostenir ” sin “ agarrar ”, era fruto directo de la delectación, era…
la delectación misma hecho suavidad acariciadora ”.
Nestes dois exemplos tirados de
actividades diferentes da equitação, o que é a “ suave carícia ” e o “ sostener
sin agarrar ” ?
É a descontração máxima, o
esforço mínimo, que sendo atributo daquelas o é também da equitação académica
sob o nome de ligeireza e só ela permite ter-se a cavalo a sensação de prazer,
verdadeiro deleite, igual ao que Belmonte sentia fumando e Antonio Bienvenida
toureando.
Quem como a escola alemã toma o
cavalo como ente que se tem de submeter incondicionalmente mesmo tornando-o
triste e sonolento e não como um colaborador destinado a formar com o seu
cavaleiro um grupo escultório, não eleva a equitação ao plano artístico máximo,
visto que preocupado com o encosto, esforço escusado não pode “ sostener sin
agarrar ” que hipicamente falando, corresponde ao ideal da equitação de
Baucher, “ demi-tension des rênnes et frolement du pantalon ”.
Tudo o que de belo se pode
fazer em equitação, tem de se revestir daquele aspecto de facilidade que cada
um demonstra quando realmente sabe trabalhar no seu ofício. Os que viram
Domingo Ortega tourear, um atleta correr a milha ou um campeão de “ sky ” fazer
uma descida por exemplo, ficaram com a impressão daquilo a que os espanhóis
chamam “ la difícil facilidade ” isto é com uma ideia de que tudo aquilo é tão
simples, que qualquer de nós o poderíamos executar também e contudo para aparentar
tão pouco esforço todos admiram o trabalho preparatório necessário para atingir
esse fim. É assim que em equitação a acção das pernas e mãos deve ser de tal
subtileza, que Sallins ao falar dos dedos do cavaleiro escreve : “ Leur rôle
est fait de nuances, mais n’est-ce pas lá celui des doigts dans tous les arts ?
” ( Epaule en Dedans, pag 78 ).
Em Alta Escola a facilidade que
podemos admirar nesta ou naquela atitude, resulta do que tecnicamente se chama
ligeireza, isto é um modo do cavalo trabalhar, obedecendo ao seu cavaleiro não
aparentando essa obediência qualquer repulsa por parte do animal, que deve cumprir
ordens recebidas à custa das mais ténues e invisíveis ajudas. Só assim se compreende
que o “ arranjo ” do cavalo a partir de certo ponto, tenha caracter pessoal
como diz Baucher, porque a ligação entre o cavaleiro e a sua montada é de tal
maneira íntima que aquele pode dar-se ao luxo de inventar os ares novos que a
sua inspiração lhe dite.
É que quando um cavalo chega a um estado de ensino
destes, o cavaleiro monta-o com o mesmo prazer com que fala com um amigo íntimo
a quem faz confidências e para o qual as ordens deixam de ser ordens, mas
solicitações feitas quase com o pensamento apenas e às quais o animal se apressa a obedecer orgulhando-se
garbosamente de levar sobre si um amigo que o deixa com a liberdade suficiente
que ele requer para exibir toda a sua imponência.
Ora isto só se consegue com
a ligeireza total
A
Ligeireza e o Apoio
Para definir tecnicamente a
ligeireza, temos que considerar em primeiro lugar o seu conceito amplo e assim
diremos com o general L’Hotte ( Un officier de Cavalerie, pag. 126 ) “ A
perfeição sonhada reside, tanto para o talento do cavaleiro, como para o ensino
do caval, menos na execução daquilo
a que se convencionou chamar as dificuldades
equestres, na pureza dos
movimentos.
“ Esta pureza reside no
emprego, por parte do cavaleiro e do cavalo, apenas das forças necessárias ao movimento pretendido.
Outro é contudo o conceito de
ligeireza, que mais vulgarmente se emprega, visto referir-se então apenas à
descontração do maxilar – é meu significado restrito.
Comparando a primeira acepção,
que julgo todos estarem de acordo, em que deve ser o fim atingir pois preconiza
que determinado trabalho seja executado apenas com o esforço útil à produção do
movimento exigido com a equitação que preconiza o contacto ainda que suave do
maxilar sobre os ferros, vemos que este pequeno apoio, não permitindo o jogo da
articulação do maxilar inferior, obriga o cavalo a um esforço inútil, visto que
ainda que pequeno, excede o que era apenas necessário para a produção do
movimento pedido. Esta força, desnecessariamente empregada, não diz respeito ao
cavalo, mas também ao cavaleiro, porque este não pode relaxar completamente os
seus músculos, visto que tem de fazer uma força em sentido contrário à do
cavalo, a fim de que o contacto não se perca.
Sendo assim, a descontracção do
conjunto cavalo cavaleiro encontra-se afectada e sendo ela a finalidade que
todos procuram, não me parece ser o caminho do apoio o melhor para se lá
chegar.
A ligeireza tem também uma
vantagem enorme e insubstituível no “ arranjo ” de animais deficientemente
constituídos e isto porque um homem chamado Baucher descobriu que ela tanto é
efeito da flexibilidade geral como causa dela.
Todos sabemos que o domínio das ancas, das espáduas e da coluna vertebral obtido através da sua ginástica, leva à descontração do maxilar, mas conhecemos também que em certos indivíduos de constituição deficiente, por exemplo com o dorso comprido ou pescoço defeituoso, as flexões do maxilar são o caminho mais curto para se obter a flexibilidade geral.
Todos sabemos que o domínio das ancas, das espáduas e da coluna vertebral obtido através da sua ginástica, leva à descontração do maxilar, mas conhecemos também que em certos indivíduos de constituição deficiente, por exemplo com o dorso comprido ou pescoço defeituoso, as flexões do maxilar são o caminho mais curto para se obter a flexibilidade geral.
Daí que a ligeireza do maxilar
seja causa da descontração de todo o cavalo e sabido que os animais de
constituição perfeita são raros e custam muito dinheiro, entendemos que a boa
prática deste e de outros processos é utilíssima para um progresso rápido no
ramo da equitação que estamos estudando. Concordando com este ponto de vista, o
general Decarpentry escreve a pág. 22 da “ Equitation Academique ”.
“
Elle ( la legereté ) se manifeste, en dehors de la perfection des movements,
par la mobilité de la mâchoire et par la flexibilité des hanches,
si intimement liés par leurs réaction réciproques qu’il est impossible d’attribuer
à l’une d’entre elles la priorité d’influence déterminante sur l’autre ”.
E
quanto à descontração do maxilar escreve o cap. Raabe fazendo ressaltar a sua importância no ensino dos
animais difíceis ( pág. 126 do “ Traité de Haute École d’Equitation ” ) : Nous
avons dressés une jument anglo-arabe qui se refusait completement à
décontracter ses mânchoires, elle se reversait quando on employait la force
avec le mors de bride, elle restait contractée malgré l’emploi énergique des
éperons, nous fûmes oblige de la piquer sur le garrot, ce qui provoquait
une grande douleur, pour l’amener à s’assouplir et nous réussîmes.
Fica de pé o argumento de que
com o cavalo levemente apoiado se consegue uma maior certeza nos movimentos e
esta parece ser de facto a principal razão que assiste à equitação alemã hoje
predominante.
Actualmente o cavaleiro quer que
a sua montada faça as coisas com certeza, com cálculo, quase como um mecanismo
de relojoaria, porém, este nunca foi considerado o fim a atingir e a meu ver,
com correcção, pois se a primeira se exige a regularidade geométrica da figura
feita no momento exacto, a corrrecção quer, antes de mais, que na realização do
movimento fiquem demonstrados os verdadeiros atributos da arte equestre.
A certeza exige que em determinado
ponto um cavalo passe de mão, ou faça um círculo, só olhando depois para os
predicados dessa passagem de mão ou dessa volta, enquanto que a correcção
equestre averigua, antes de analisar a precisão de uma outra figura, se os
atributos da sã equitação de escola ( “ ramener ” e “ rassembler ” flexibilidade
e ligeireza ) ficaram bem patentes nos movimentos executados.
Penso que se deve atender
primeiro a estes requisitos que todos eles se resumem na verdadeira ligeireza e
concordo com os cavaleiros italianos que diziam “ Obrigai o cavalo a fazer o
que lhe ordenastes, mas desde que ele vos compreendeu, deixai-o fazer o que ele
quiser ” ( Beudant “ Souvenirs Equestres ” pág. 58 e Sallins também assim
pensou ao escrever “ Le cavalier mettra sa coquetterie, au lieu de paraître
exécuter des tours de forces, à laisser
croire que les gestes les plus brillants de son cheval son naturels ” ( Epaule
en Dedans, pág 103 )
Ficará então o apoio sem
qualquer utilidade ?
Não, é indispensável na
equitação de campo, de obstáculos, de corridas, de tiro e também na fase
inicial do cavalo destinado à equitação de escola, a fim de que se não confunda
a ligeireza verdadeira com o mascar barulhento dos ferros, característica do
cavalo que trabalha em falso e ao qual cedo demais se pediu a descontração do
maxilar, que a flexibilidade do conjunto
ainda não podia suportar sem perigo.
Na verdade a ligeireza é uma
arma muito traiçoeira quando o cavaleiro não se sabe servir dela e por isso é
de aconselhar que o cavalo antes de mobilizar o maxilar passe por um período em
que o cavaleiro o encoste francamente aos ferros e confirmado nestas atitude podê-lo-á
trabalhar sem perigo na sã ligeireza.
O importante e difícil é saber
qual o momento em que se pode passar sem receios de um trabalho de encosto para
um outro de descontração do maxilar, visto que se este último tem desvantagem
de início, o primeiro, se for mal feito, pode impedir que se chegue à tal “
ligeireza confiante, que é como o aroma de uma flor, uma vez que lho tirarem
não volta mais ”. ( Beudant, souvenirs Equestres, pág. 58 ). Parece pois que o
encosto nada tem que fazer, desde que se entrou no campo da Equitação Académica
pura, sendo de La Guérinière, L’ Hotte e Licart as opiniões que passamos a
transcrever.
La
Guérinière : os cavaleiros adeptos do encosto têm que escolher, segundo ele “
parmi un nombre de chevaux, ceux auxquelles la nature a donné une bouche excelente,
des hanches solides et des ressorts unis et liants, qualités que ne ce trouvent
que dans un très petit nombre de chevaux. Cela fait que ces imitateurs de
justesses si recherchées, amortissent le courage d’un brave cheval et lui ôtent
toute la gentillesse que la nature lui avait donné ” ( escrito em 1751
).
General
L’Hotte : “ Si au contraire, la machoire resistant, se refusé à se
mobiliser, alors plus de légèreté, car par nature. Les résistances se soutenant
mutuellement celle-ci aura de nombreux échos ” ( Questions Equestres, pág. 178
).
Licart :
( Eperon de Fevereiro de 1956 ) “ Convenez donc que présentations de chevaux
dressés comme chiens savants par cavaliers qui sur leur dos s’en vont comme des
passagers, relève plus du cirque et l’exhibitions que de la saine équitation ”.
É ainda no genial Beudant que
os adeptos do apoio podem vê-lo refutado quando a pág. 62 dos “ souvenirs
Equestres ” fala da “ main fixe sur les rênes demi-tendues ” e descreve a pág.
63 a maneira como ele, já meio entrevado, punha na mão a sua égua Vallerine : “
Seulement aprés avoir obtenues la vrai position avec la main fixe, il faudra
laisser couler les rênnes, baisser la main et avoir Vallerine légère et mâchant
son mors sur une descent de main suru n point fixe ( importante ) ” !!!
Cavalo sobre a mão e Cavalo
entre a perna e a mão
É bem conhecida a tendência
para preferir uma ou outra destas atitudes.
O cavalo sobre a mão tem a seu
favor a mais fácil condução, isto é maior certeza por parte do cavaleiro de que
a sua montada executará o exercício pedido no momento próprio e como já disse
acima, a certeza equestremente falando, nada tem que ver com a correção e só é
atributo dum bom trabalho, depois de preenchidos os requisitos desta e nunca
antes. O cavalo na atitude cujo estado nos ocupa, apresenta um
adormecimento uma tristeza que só é por vezes diminuída pela beleza do animal e
dos seus andamentos.
Haverá vantagem nesta atitude ?
Por certo que sim quanto à condução, porém esta preocupação parece absorver
totalmente o “ écuyer ” moderno, ao passo que antigamente a finalidade era
outra, exigindo-se além dela, um animal brilhante, flexível e ligeiro.
O que vem então a ser a atitude
sonolenta de que falávamos ? É uma contração que atinge cavalo e cavaleiro.
Neste porque vai preocupado em dar uma ajuda em certo movimento, no cavalo,
porque a falta de mobilidade do maxilar o não deixa completamente livre dum
constrangimento que nasce na boca, mas que se transmite através do pescoço e da
coluna vertebral a todas as partes do seu corpo.
Dir-se-á que a preocupação do
cavaleiro existirá sempre mais ou menos, desde que haja de trabalhar perante um
júri, porém esse nervosismo pode ser bastante diminuído se, como disse acima a
certeza exigida pelos juízes for apreciada só depois de se ter atendido às
características da equitação de escola, descritas no capítulo correspondente.
Na verdade o que é que pode interessar ao critério defendido que o cavalo em
vez de fazer as quinze passagens de mão, tempo a tempo, obrigatórias, tenha
feito catorze ou dezasseis, se forem impecáveis à luz deste ponto de vista ? Só
secundariamente.
E porque é que o cavaleiro há
de ser penalizado por ter feito a prova em mais tempo do que o indicado no
programa, se contudo demonstrou ter a sua montada em condições de satisfazer as
exigências deste critério puramente equestre ? Adoptando um um horário, acho
que se põem os cavalos em comparação com um modelo, ao qual todos os concorrentes
se terão de parecer o mais possível, com o risco de serem penalizados.
Entre dois cavalos por mais
parecidos que sejam, há sempre uma diferença, não direi já de andamentos, mas
de cadência própria, em que cada um dá o seu melhor rendimento, por exemplo, um
faz um trote mais curto que outro, mas o horário tem de ser cumprido, o
cavaleiro é obrigado apressar o andamento da sua montada para chegar à tabela,
como os comboios, acabando por não mostrar o trote mais curto em que a sua
montada exibia realmente toda a imponência e correção.
Por outro lado, voltando ao
cavalo para diante das pernas e sobre a mão, o animal nesta atitude tem muito
mais dificuldade para os ares concentrados e julgo mesmo ser impossível obter
neles um “ rassembler ” perfeito, visto não haver aquele balançar do cavalo em
que a impulsão dada pelas pernas é amortizada pela mão, o que acontece quando
está ligeiro por esta retenção não vir prejudicar o equilíbrio do cavalo e
assim a este em vez de empregar a impulsão que recebeu para andar para diante,
utiliza-a para se elevar cadenciando os movimentos.
No “ Ano Hípico Português ” de
1956 1957 o coronel francês Chellan Benval escreve a este respeito defendendo
um ponto de vista idêntico ao nosso, no que respeita à prática do “ Piaffer ” :
Mas, quando desejamos atingir esta perfeição que se chama “ Piaffer ” este
contacto ligeiro transforma-se por si próprio num simples sentimento da boca, obtido
pelo simples peso das rédeas sem qualquer intervenção da mão. Ora isto não
é possível senão quando ao contacto das pernas, o cavalo flexionado o
rim e a garupa entram com flexibilidade com os curvilhões para debaixo da
massa. A sua montada está em equilíbrio entre a mão e a perna. Neste
momento a tensão material das rédeas já não é inteiramente concretizada, apenas
subsiste e deve ser suficiente a sua tensão moral. É a “ liberté sur parole
”. Mas se a mão intervém por pouco que seja para restabelecer ou manter um
contacto material, quebrou-se o encanto e com ele o perfeito equilíbrio
necessário ao “ piaffer ”.
Depois desta explicação
perfeita só podemos ser pelo cavalo para diante das pernas e para trás da mão,
empregando esta última expressão no seu verdadeiro sentido e não no mais
vulgar, que lhe atribui o mesmo significado de acuamento. Julgo-me bem acompanhado
dizendo com “ Baucher ” que o cavalo deve estar para trás da mão “ Tout en se
grandissant en même temps qu’il coule en avant des jambés ” ( L’Hotte, “
Souvenirs d’un officier de cavlerie pág. 245 )
Concebendo assim a relação da
perna com a mão nada nos permite concluir que o cavalo sem apoio dos ferros nas
barras está acuado, desde que esteja ligeiro e para diante das pernas,
entendemos que não é por esta atitude exigir um tacto fora do vulgar que ela
deixa de corresponder ao ideal para que o cavaleiro de escola deve fazer tardar
o ensino da sua montada. A confirmar, cito Beudant a pág. 53 dos “ souvenirs
Equestres ” : “ SE um cavaleiro consegue obter a ligeireza do maxilar com as rédeas
semi-justas ou mesmo bambas, não se pense que o seu cavalo está em falso e
que escapa à acção da mão. Não é nada disso : Sobre um obstáculo, em trote
largo, em galope, em “ passage ” etc. o animal que não esteja ligeiro, mesmo
bem colocado, não está geralmente na mão. Ao contrário, o animal
parecendo em falso está, mesmo sem colocação, em equilíbrio desde que esteja
ligeiro, e está mais na mão do que se puxasse por ela. O apoio sobre
a mão, o contacto existe porém quando na boca entreaberta a língua aceita o
roçar do freio e conseguido apenas pelo peso das rédeas e qualquer que
seja a posição da cabeça do animal, a harmonia, o acordo perfeito das forças do
cavaleiro e do seu cavalo ”.
Depois de ler esta passagem, do
que foi um dos maiores executantes da última maneira de Baucher, não faço mais
do que a minha obrigação, concordando com ele, contudo não se julgue que para
atingir os resultados extraordinários que obteve no ensino dos seus cavalos
Beudant usou dos processos mais complicados do Baucherism, pois considerando-se
modestamente um cavaleiro medíocre, empregou sempre o principio “ mãos sem pernas
e pernas sem mãos ” quando montado e as flexões a pé sendo aquele inventado
para obviar aos maus resultados do “ efeito de conjunto ” mal aplicado.
Afinal o que é que acontece
quando o cavaleiro exige uma cedência do maxilar ?
“ O cavaleiro inflige uma dor
ao cavalo até que ele ceda, até que ele obedeça. Deixar de o magoar é dizer ao
animal : fizeste o que te ordenei ! ( Raabe, Méthod de Haute-École d’Equitation,
pag. 126 ). Temos de novo o princípio da liberdade na actuação do cavalo, desde
que compreendeu a ordem do cavaleiro e daqui se conclui que a vontade deste é
imposta, provocando uma dor até que o cavalo ceda. Ora se o cavaleiro mantem o
encosto, mantem uma dor que a sua montada não se pode livrar, a não ser por
endurecimento e havendo este transmite-se a todo o animal, visto que as “ resistências
sustem-se mutuamente ”. Daqui se conclui que a equitação germânica tem o perigo
de embrutecer os cavalos tirando-lhes todo o brilho natural, que só existe com
o animal ligeiro.
Já ficou acima anotado que sem
ligeireza total não são possíveis boas execuções de certos ares, como sejam a “
Passage ” o “ Piaffer ” e as suas respectivas transições, por exemplo. As
maiores sumidades contemporâneas em equitação estão de acordo sobre este ponto
e talvez a maior de entre elas todas o general Decarpentry escreveu uma obra “
Piaffer e Passage ” em que preconiza a actuação da mão sem contrariar a das
pernas e vice-versa, como o único meio de chegar à perfeição nestes dois ares.
E bem se compreende que assim seja, pois todos sabemos que o animal quando mete
as pernas aligeira-se na boca, ora se isso acontece no “ Piaffer ” ou na “
Passage ” ares muito concentrados, não será um contra senso muito prejudicial
apoiar o cavalo ? Não será isto impedir que, estando ele bem equilibrado e
portanto ligeiro, possa desenvolver toda a correcção e imponência que têm esses
ares quando feitos em “ rassembler ” ? O mesmo autor escrevendo acerca da
situação actual do Baucherismo, aludindo à deficiência de “ rassembler ” e “
mise en main ” de muitos cavalos, diz a pág. 139 de “ Baucher et son école ” : “
A ligeireza destes cavalos consiste apenas numa redução do apoio proveniente
por um lado do encurtamento do ante-mão e por outro da limitação dos esforços
do post-mão em “ rassembler ” útil ”.
A questão torna-se clara e pode
resumir-se teoricamente assim : o cavalo equilibrado aligeira-se, como a
finalidade da equitação é equilibrar o cavalo, a ligeireza tem de ser, por
força, o sinal iniludível desse equilíbrio, obtido este, o cavaleiro deve dar a
maior liberdade possível à sua montada, a fim de que ela por si só se mantenha
nele, portanto qualquer força ( neste caso apoio ) desnecessária à manutenção
desse equilíbrio, não só o prejudica, como mantida durante muito tempo, pode
levar à perda de equilíbrio, isto é ao desequilíbrio do cavalo. Concluindo, o
apoio não é o meio apropriado para quem queira equilibrar a sua montada e
portanto praticar a verdadeira equitação de escola.
Que pena que esta questão, tão
fácil de explicar em teoria, seja tão difícil de a por em prática ! Mas não é
ela considerada por isso como a “ pedra de toque ” da verdadeira equitação ?
Para terminar estas
considerações sobre a precisão de um trabalho e a qualidade desse mesmo
trabalho, transcrevo o que M. Ghan escreveu em Éperon de Fevereiro de 1957 : “ …Lê-se
por vezes que uma apresentação foi excelente, porém deve-se-lhe acrescentar em
que é que consistia essa excelência. Foi somente por a “ reprise ” decorrer sem erros ? Isto
não nos diz nada se se trata dum cavalo que cumpriu o programa automaticamente
andando com os membros, mas sem empregar o resto. Mas isto diz tudo, se
se trata dum cavalo com o dorso activo e flexível, mesmo se um cavalo ainda
não está perfeito em tudo o resto, como por exemplo, quanto à colocação e
flexão ”.
Estas palavras confirmam bem a
opinião defendida acima, de que a equitação de escola vale mais pela qualidade
do trabalho, do que pela sua precisão.
Um outro ponto que merece
reparo é o dos regulamentos actuais obrigarem à condução com as rédeas
separadas ( 416 do Reg. F.E.I. 1958 )
Sabemos que há muitos cavalos
que se manejam, uns melhor com as rédeas numa mão, outros com elas actuando
separadamente e também há cavaleiros que por hábito actuam com mais eficiência,
conduzindo de uma ou outra maneira. Por isso, não vemos que haja necessidade de
uniformizar mais uma questão absolutamente secundária, que não tira nem põe
mérito ao “ écuyer ”. Parece haver a preocupação de criar um cavaleiro “
standard ”.
Há porém, uma razão de ordem
prática para aconselhar a condução com as rédeas numa mão só. O general F. Kerbrecht, a pág. 182 linha 12, diz a
propósito das passagens de mão a tempos aproximados “ tenir ses rênes dans une
seule main ” e Beudant a pág. 53 do livro acima citado diz que “ c’est l’observation
et non théorie scientifique qui apprend que les deux mains réunis n’ont jamais,
ni la fixité ni d’autre part, la mobilité moelleuse et appropriée de la main
isolée ”.
E para provar que assim é
descreve o caso que todos nós constatamos alguma vez, quando levamos um copo a
transbordar de água, verificamos que, se ele for seguro com uma mão só, o
líquido não se entorna, enquanto se for transportado com as duas mãos, cai
quase sempre e daí que sendo a opinião dominante a que procura a fixidez do
maxilar é uma contradição evidente exigir a condução com as rédeas separadas.
A situação actual de que
acabamos de fazer a critica de alguns pontos que me parecem ser os que mais
podem levar a um desvirtuamento do verdadeiro conceito da Equitação Académica,
tem que ser meditada seriamente pelos juízes das provas, porque a culpa não é
do regulamento propriamente dito, mas sim da sua aplicação deturpada e ainda
pelos concorrentes, visto que o facto de quererem ganhar um prémio não os deve
fazer desvirtuar o seu estilo.
Diz Decarpentry que é um bem
haver uma maneira alemã e francesa com as suas características próprias e não
há dúvida que assim deve ser de facto, porém o que não me parece certo é que a
constituição dos júris, pela formação dos juízes, leve o critério germânico a
prevalecer.
Se assim é entendo que a
frança, detentora de um estilo que tem de defender para glória da equitação,
deve organizar com a colaboração dos países de formação equestres gaulesa,
provas de escola em que o programa, pode ser o mesmo da F.E.I. seja contudo
julgado por um critério puramente equestre.
Na verdade, se a equitação de escola
é a “ Poesia da Equitação ” ( Baucher ) se é uma “ Arte que se aprenda com a
Arte Coreográfica e com a Dança Clássica ”
( Decarpentry ) se é de facto a “ Equitação Transcendente ” ( Baucher )
se o “ ensino dum cavalo é o melhor complemento da educação de um homem ” (
Gustave Le Bon ) se a “ Alta Escola separa as pessoas que apenas são capazes de
praticar uma equitação instintiva, das que podem executar uma equitação
racional… e essa separação se assemelha à linha de demarcação que existe
entre o vulgar e o belo, a prosa de toda a gente e a de Buffon, o menestrel e Paganine
( Raabe ) se “ logo que sinto o meu
cavalo amoldar-se aos caprichos da minha vontade, respondendo sem resistência
alguma ao meu pensamento, executar com graça e uma perfeita ligeireza todos os
movimentos que eu lhe peço, fico tão satisfeito, que em vez de me sentir
atingido pelos clamores dos invejosos e pela ingratidão dos plagiários, só
tenho um desejo, faze-los compartilhar do meu prazer ” ( Baucher )… se a
equitação é tudo isto, como se pode ela compadecer com o esforço, o encosto,
por mínimo que seja !!!
Se um cavalo é tomado como um
ente que se deve sujeitar incondicionalmente como entende a escola alemã e não
como um colaborador na composição dum ar que também é um quadro da bela arte
equestre, como pode ser que ela tenha levado o general L’Hotte a deixar dito que
quando morresse, queria que enterrassem também os seus cavalos de escola, se
não fosse porque, sem esse aniquilamento, ficaria viva ainda uma parte de si
próprio !!!
A prática da equitação
académica entre os civis, está circunscrita a uns quantos entusiastas que não
têm picadeiros onde ela se pratique e professores que lhes ensinem, se
exceptuarmos a escola do meu querido mestre e amigo Nuno Oliveira, entusiástico
praticante e professor de Alta Escola,
que tem conseguido incutir no espírito dos seus alunos o gosto pela Equitação
Académica. E ficamos por aqui ?
Se bem que o cavalo
academicamente ensinado tenha muitas desculpas para não tourear, não quero
deixar de acentuar que a prática dos movimentos que o cavalo tem de fazer
perante o toiro, mesmo sem a presença deste, constitui uma prova altamente
importante para avaliar a solidez do ensino e pensando assim, apliquei apenas
ao toureio estas palavras de Baucher, “ O protótipo do cavalo ensinado deve ser
o do oficial de cavalaria. Rápido como o relâmpago, para imobilizando-se como
se ficasse em sentido, parece fugir e pelas inúmeras mudanças de direção querer
escapar aos que o perseguem, mas executando meias voltas rápidas, torna ao
sítio donde partira, passa de mão, rodopia, descreve círculos, salta sebes e
obstáculos ”. O cavalo de toureio também tem que fazer isto e portanto, executar
estes movimentos mesmo sem toiro, constituindo uma prova valiosa, quando bem
feita, da submissão e mobilidade adquiridas com o ensino. Poderemos chamar-lhe tauromaquicamente
o toureio “ de salon ” feito a cavalo.
Capítulo
II
A
Equitação de Escola Contemporânea em Portugal
Examinado o panorama
internacional da equitação académica, demoremo-nos um pouco analisando o que se
passa por cá, visto que o nosso país tem belas tradições na arte cujo estudo
nos ocupa.
Com a publicação da obra d’El
Rei D. Duarte “ Ensinança de Bem Cavalgar a Toda a Sela ” em 1437 ou 38 aparece
o primeiro dos grandes livros de
equitação escritos por autores Portuguese. É interessante notar que Gerhardt diz
no seu “ Traité des Resistences ” pág. 488 que o primeiro tratado de equitação
conhecido depois do Xenofonte, foi o de Federico Grisone aparecido em 1550,
pois o livro de Laurent Rusé, de 1490 sobre alveitaria, apenas dedica duas
páginas ao “ dressage ” e portanto a obra do nosso rei é anterior a qualquer
outra, não só em data, como em “ ensinanças de bem cavalgar ”.
Depois da obra de Galvão de
Andrade, de 1678 temos a “ Instruçam da cavalaria de Brida ” por António
Pereira Rego e por fim entre outros de menos nomeada, o célebre livro em que
Manuel Carlos D’Andrade expõe os processos postos em prática pelo Sr. Marquês
de Marialva, estribeiro mor do rei D. José.
A “ Luz da Liberal e Nobre Arte
da Cavallaria ” datada de 1790 deve ser dos melhores tratados da sua época,
visto que não copiando apenas a obra de La Guérinière, admite por exemplo nos
seus processos, não só os pilões usados pelo “ écuyer ” francês, como também a
rédea lateral do Duc de Newcastle que ia do cabeção ao arção da sela.
Pena é que, depois desta obra
monumental, não se tenham traduzido os grande livros de equitação académica que
tanto divulgaram os seus ensinamentos pelo mundo. Consta que houve uma tradução
do “ Nouvelle Méthode ” de Baucher mas fazem falta muitas outras obras, tanto
mais que seria natural, tendo os nossos cavaleiros seguido sempre a maneira
francesa, traduzirem as obras dos mestres cujos ensinamentos têm posto em
prática, porém isso não acontece senão num ou noutro artigo, ou em obras que
não tendo necessária visão de conjunto, se tornam em compilações de crónicas e
assim as grandes obras de Raabe, Fillis, etc…tão seguidas entre nós, são
conhecidas por conversa ou ouvir dizer e não pela leitura e meditação, que tanto
auxiliaram a resolução dos transcendentes problemas da equitação de Alta
Escola.
A equitação de escola é
praticada em Portugal por oficiais, por alguns paisanos e pelos toureiros a
cavalo. Falei em oficiais e infelizmente não pude dizer escolas militares,
visto que nelas a equitação académica só é muito rudimentarmente ensinada, tanto
em quantidade como em qualidade e para o justificar basta dizer que aos jogos
olímpicos passados de 1956 só um cavaleiro foi julgado capaz de concorrer,
montando um cavalo ensinado por outro oficial que não era de escola nenhuma e
que lá ia pela terceira vez.
Assim a equitação académica é
muito pouco praticada nos quartéis, pelo menos até a um ponto de adiantamento
que mereça o aplauso que todos lhes gostaríamos de dar, o que não quer dizer
que não haja oficiais hipicamente independentes que a pratiquem…e da melhor
maneira.
São estas raríssimas excepções,
que mantém no exército o amor pela “ Nobre Arte ” continuando a série de
grandes portugueses, que também entre os civis, se dedicaram à mais alta
expressão das actividades equestres.
Os métodos empregados pelos
oficiais, visam a preparação das suas montadas para as provas da F.E.I. e
dentro do regulamento que têm de cumprir, inclinam-se para a interpretação que
lhe dá a escola francesa, contudo se os vemos por vezes adoptarem os processos
da escola germânica, isso é devido ao facto de conhecerem a disposição do juiz
para classificar por esse critério, o que no fundo só é de louvar para quem
representa o seu país numa competição.
A
Equitação do Toureio e o seu valor à face da Equitação de Escola
Como resposta diremos que, se
considerarmos a equitação de escola pura, isto é como aquela que procura chegar
à perfeição do equilíbrio dos andamentos e dos ares, assim é na verdade, mas temos
entre nós algumas atividades em que o “ arranjo ” bastante adiantado do cavalo
se torna necessário. Primeiro porque o nosso temperamento exige um cavalo muito
manejável, nem que seja só para andar no campo, segundo porque os cavalos
peninsulares muito facilitam a equitação em bases curtas, que é utilizada nas
apartações de gado, nas picarias, nas corridas pequenas com muitas voltas das
caçadas às lebres… e por fim no toureio a cavalo.
Detenhamo-nos um pouco no problema
da equitação do toureio e comecemos por perguntar se nele se a equitação de
escola ?
Não, o toureio não é o mesmo
que a equitação académica pura é sim, segundo julgo, talvez a única
actividade em que se experimentam os cavalos ensinados em escola.
Quer dizer que toda a
submissão, equilíbrio, brilho e mobilidade adquiridos com o ensino, são
rudemente postos à prova, visto o inimigo não ser para graças e pena é que o
público, por ignorância, não exija mais da qualidade do trabalho de cavalo de
cavaleiro.
A
Feira de S.Martinho na Golegã
Os cavalos de toureio tem o seu
mercado bastante grande ainda, localizado principalmente na feira da Golegã.
A equitação goleganense ou
ribatejana, exibe-se numa feira, o que quer dizer que em princípio, os que la
montam ou apresentam os seus cavalos querem vendê-los e portanto mostram-se o
mais airosamente possível de maneira a “ encher o olho ” dos compradores, hoje
infelizmente pouco numerosos.
A facilidade dos cavalos
peninsulares em se meterem nas pernas, o feitio exibicionista e fanfarrão do
nosso temperamento meridional, a extraordinária habilidade nata, os cavaleiros demonstrando
muitas vezes um virtuosismo excepcional, fazem desta feira um espectáculo que
tendo aspectos criticáveis é contudo o produto espontâneo, a demonstração de
maravilhosas qualidades de cavaleiros, apresentadas em bruto, bem sei mas
equestremente admiráveis.
É na realidade invulgar, pois
julgo não acontecer o mesmo em mais nenhum país, que se reúnam numa terra de
província umas poucas dúzias de cavaleiros, aparecendo com cavalos a fazer “
passage ”, “ piaffer ” , “ piruetas ao galope ” etc, pondo em prática o que “
Sallins ” escreveu: “ A grande ambição do cavaleiro deve ser a de fazer brilhar
o seu cavalo ”.
Não conheço o ambiente hípico
da França, Itália, Inglaterra ou Alemanha, mas julgo que em nenhuma delas
encontraremos, como cá , quando passamos por alguma vila ribatejana, um
cavaleiro que ainda faz caracolar com garbo o seu cavalo pelas ruas, fá-lo
rodopiar se se apercebe que alguma moça o admira da janela , ou obriga a sua
montada a ladear para um e outro lado, a recuar e sair ao galope, a arrancar a
todo o gás , parar de chofre petiscando lume na calçada, se vê aparecer algum
provável comprador. Esta cena repete-se durante todo o ano nas terras do
Ribatejo, quando passa um cavaleiro e em cada feira da Golegã, onde se juntam
os mais afamados equitadores do país.
Tem, pois, esta feira, além do
negócio a apresentação de cavalos já arranjados e que normalmente não se vendem
por serem de estimação, constituindo o corso de equitadores e cavalos uma
exibição sem programa obrigatório. É quase só o que nos resta das antigas
apresentações.
Qual é o ideal equestre para
que tende o cavaleiro ribatejano ?
Pretende que o seu cavalo seja
um bom executante dos exercícios que teria de realizar se estivesse toureando.
Portanto, o modelo é o cavalo de toureio.
Há quem considere a equitação
da Golegã um espectáculo deplorável e preconize o banimento de tudo o que lá se
faz, aconselhando os cavaleiros a praticarem uma equitação simples, com a
preocupação de explorar apenas os andamentos naturais numa atitude de cavalo
estendido.
Julgo também que a Alta Escola
que se vê por esse Ribatejo fora tem muitos defeitos, não concordo, porém, com
os remédios acima apontados por alguns.
Entendo que aquilo que vemos é
a manifestação de uma habilidade fora do vulgar, de uma mania de brilhar muito
a Portuguesa, de um resto de cavalheirismo que por cá ficou e que faz do cavalo
um elemento de adorno ou de vaidade legítima na apresentação do homem, com
tanta razão de existir como os desfiles de automóveis.
O facto de se praticarem ares
difíceis a torto e a direito, mesmo com defeitos só mostra que os
cavaleiros têm um jeito especial para os ensinar às suas montadas. Se essa
faculdade é a demonstração de tacto equestre, como julgo, o que há a fazer é
discipliná-lo, pois ele constitui aquilo que em equitação se pode desenvolver
ou avivar, mas nunca ensinar.
Remediar os males da equitação
goleganense substituindo os moldes tradicionais em que se tem praticado, por
outros que não visam o brilho, mas o desporto é abafar o que de melhor existe
em equitação, visto que não se ensina o seu espírito artístico. O que há a fazer
é dizer aos cavaleiros ribatejanos que as suas “ passages ” ou piruetas são más
porque o cavalo trabalha com o post-mão esmagado e portanto deve trotar e
galopar o seu cavalo durante uns tempos, para que as mesmas “ passages ” e
piruetas melhorem e não abandonem a prática destes ares, substituindo-a pela
equitação de campo ou de obstáculos, porque como tantas vezes se diz, a Alta
Escola é para muito poucos.
Julgo que a solução não pode
ser esta última, mas a primeira, pois ainda por cima seria contrariar o
temperamento da maioria dos nossos cavalos peninsulares. Não cultivar o jeito
especial da nossa gente para a equitação de escola, como se está pretendendo
fazer impondo quase à força o desporto equestre dos obstáculos artificiais ou
de campo é não só uma falta de senso, como uma manifestação de atraso, pois
quando nos outros países a equitação académica cada vez tem mais adeptos que se
tornam bons cavaleiros, com muito mais trabalho do que nós, por cá faz-se
guerra surda às qualidades natas dos Portugueses, querendo impor-lhes uma
modalidade hípica que importamos…com a facilidade do costume. Foi isto que se
fez ao organizar um concurso hípico na feira da Golegã de 1957.
Não ter consciência dos nossos
valores, levou-nos a perder quase completamente a raça de cães “ perdigueiros
portugueses ” que os ingleses souberam contudo aproveitar para com ela formarem
as grandes raças de cães de caça. Não saber bem o que queremos, levou-nos a
adulterar a maior parte das eguadas de raça peninsular que todavia tinha tais
predicados , que os ingleses a aproveitaram para constituírem com ela e com o
cavalo árabe, o puro sangue inglês. Não darmos valor à nossa habilidade para
ensinar cavalos, mesmo empregando certos métodos que têm muito de reprovável é
perder uma qualidade nata que muitos outros ambicionam e que em parte vai negar
também o valor do toureio a cavalo, visto que toda a equitação ribatejana o
toma como paradigma.
Já pensaram bem no que seria a
feira de S.Martinho com cavalos estendidos a andarem a passo, trote e galope,
num recinto pequeno, com os cavaleiros de “ assiette ” alçado a atropelarem-se
? Ou o que seria um cavaleiro tauromáquico vestido à Luíz XV, montando um
cavalo com o nariz no chão ?
A equitação larga tem muito
interesse e não sou, como pode parecer, contra ela, simplesmente tudo tem um o
seu lugar próprio e não há dúvida que para ela este não é a Golegã. Por isso ,
quando oiço os adeptos da equitação desportiva depreciar a de escola, não
reconhecendo o plano muito superior em
que esta se desenvolve, lembro-me sempre da frase de um bom amigo que dizia “
Verdadeiramente aprecio mais as uvas do que o vinho ”.
Vejamos um caso cujos exemplos
passam todos os dias por nós – os cavalos peninsulares são trabalhados pela
maior parte dos cavaleiros ribatejanos em andamentos curtos e concentrados,
dizendo uns que este é o bom processo para chegar ao ensino e outros, que não,
que esses cavalos por terem andamentos pouco extensos por natureza, devem ser
trabalhados em passada larga.
Quanto a mim não partilho desta
última opinião, por entender que o que indica o trabalho a dar ao cavalo é a sua
constituição, temperamento e andamentos, de que resulta aquilo a que chamamos o
seu equilíbrio natural derivado da sua constituição, que faz os peninsulares
tomarem mais facilmente sob o cavaleiro os andamentos curtos e concentrados é
neles que devemos insistir, a fim de praticarmos um ensino racional. E está bem
de ver que só depois dum animal desta conformação estar equilibrado nos
andamentos curtos, para ele mais fáceis, poderá transitar com utilidade para os
andamentos vivos. Isto justifica-se ainda pela constituição destes animais, que
além de débeis no post-mão, o que torna difícil o galope largo, têm uma frente
poderosa, com uma cabeça grande, pescoço e ganacha grossa, que terão de ser
trabalhados localmente a fim de que a colocação perfeita do ante-mão impeça que
o seu peso recaia sobre o quarto traseiro.
Todos, alias sentimos que tem
de ser assim, pois não há coisa mais desagradável que um cavalo peninsular de
movimentos para cima, a galopar largo sem ter sido equilibrado previamente pelo
ensino. A prova que assim é escreve Lenoble Du Teil : « Se o maxilar e a nuca
não cedem ( ramener ) as impressões da mão comunicam-se aos posteriores através
da coluna vertebral endurecida, a impulsão fica prejudicada e Licart ensina na
pág. 49 da “ Equitation Raisonée ” que com “ ramener ” o rim e os curvilhões do
cavalo ficam livres das acções da mão do cavaleiro, o que favorece a entrada
dos posteriores, a “ concentração das forças ” e os movimentos dos membros
feitos em altura, não será esta a melhor maneira de montar um dos nossos
peninsulares ?
Ao contrário, os cavalos de
sangue, para serem trabalhados racionalmente devem praticar os andamentos
amplos ( o galope sobretudo ) para eles mais naturais. O ensinamento do capitão Raabe a este respeito é bem
claro : « Les allures lentes doivent être commencêes modérément pour être
portées progressivement à une plus grande vitesse, contrairement aux
allures vives qui sont très progressivement raccourcies » ( Méthode de
Raabe, Decarpentry, pág. 84 ).
Portanto, segundo uma regra
geral com muitas excepções como tudo em equitação, cada cavalo deve ser
trabalhado nos seus andamentos naturais e dentro destes praticar os lentos
devagar e os vivos em bom andamento o que lhe varia com a constituição, raça e
temperamento que lhe são próprios.
Vimos pois, que a raça
escolhida para as evoluções hípicas ribatejanas é a peninsular, nem sempre pura,
mas na maioria dos casos predominante, daí que a equitação praticada nestes
animais seja a de os meter nas pernas.
Conforme a raça do cavalo que
monta o cavaleiro encontrará nele uma predisposição física e moral para
determinado género de equitação e assim a prática dos saltos de escola foi
considerada o fim a atingir, quando os cavalos Espanhóis eram procuradíssimos e
pagos a bom preço, chegando a sua exportação a ser proibida no sec. XVIII ( Dr.
Ruy D’Andrade pág.22 “ Breve nota sobre a equitação de Alta Escola ) e ainda
hoje se conserva a coudelaria de Lipiza que continua a produzir cavalos
próprios para a prática da equitação de La Guérinière.
Com o aparecimentos dos cavalos
de sangue, as exigências do “ écuyer ” passaram a ser outras, porque os Ares
Altos eram dificilmente realizáveis nestes animais e por isso logo surgiu uma
nova concepção da equitação académica e um método que a pôs em prática devido
ao génio de BAUCHER.
Tudo isto vem a propósito, para
justificar a equitação da Golegã que é especialmente sobre as pernas e julgo
que muito bem, visto os cavalos que emprega se tornarem mais facilmente utilizáveis
nessa atitude. E como penso que esta raça se assemelha muito à dos cavalos
utilizados pela Escola Antiga, direi mesmo que o género de equitação mais
próprio para eles seria o dos Ares Altos e só não o é na prática, porque o toureio
a cavalo absorve todas as atenções do cavaleiro goleganense, ensinando-o para
seu prazer, ou para fazer valorizar a sua montada aos olhos dum comprador, que
é muitas vezes um cavaleiro tauromáquico.
Um caso que ilustra bem que é o
cavalo que indica a quem o monta, qual o géneros de equitação para que tem mais
propensão, está bem patente no moderno passo de escola. É um ar que surge no
cavalo de sangue e na realidade não tem grande dificuldade em se obter num
animal de andamentos amplos, contudo este passo, também chamado de “ reprise ”
já existia, se bem que com o nome de “ Pas de manège ” definido por Beudant na
pág. 58 do seu “ Dressage du Cheval de Selle ” como “ diminuitif du pas
espagnol, une marche attentive, propeuse, solenelle ”.
Isto serve para confirmar o que
atrás dissemos, pois foi de certo a facilidade dos cavalos andaluzes em se
meterem nas pernas, que levou à prática dos ares concentrados, assim como os de
sangue facilitaram outros ares, tais como as passagens de mão a tempo e o
moderno passo de escola.
“
Os limites do “ Rassembler ”
( Esta parte sobre o “
Rassembler ” e os seus limites é colocada aqui, por ser de especial interesse
para a equitação dos cavalos peninsulares e como estamos analisando as
actividades em que eles ainda se empregam parece ser útil a sua inclusão aqui
).
Todo o problema do ensino se
resume na palavra “ Rassembler ” porém as questões práticas em que essa atitude
apresentada pelo cavalo “ Finit ” se desdobra, são as mais difíceis da
equitação de escola e as que mais profundamente têm preocupado os mestres da “
Nobre Arte ”.
Queria focar agora o aspecto
dos limites do “ Rassembler ” para o que teremos de o deslocar em dois outros
formulados nestas duas perguntas :
Haverá uma só especie de “ Rassembler ” ?
Será vantajosos para o ensino académico a prática do “ rassembler
” máximo que o cavalo pode suportar
?
Antes de responder à pergunta
inicial, lembramos que as nossas considerações focam o “ rassembler ” como grau
maior ou menor de entrada dos posteriores para debaixo da massa e não como
atitude geral ou perfil apresentado pelo cavalo no fim do ensino, isto é
falamos do “ rassembler ” no seu sentido restrito, aplicando esta expressão
apenas à maneira de actuar do post-mão.
À primeira questão posta,
respondemos que há uma espécie de “ rassembler ” que deve ser o mesmo, o do cavalo
ensinado, isto é a concentração dos ares deve ser sempre a mesma em todos os
casos. Mas há um outro “ rassembler ” praticado no decurso do ensino que ginástica
e domina o animal e que varia necessariamente consoante a sua configuração.
Pode-se perguntar se o “
rassembler ” não é mais uma questão de conceito, de moda, de gosto duma época e
portanto seria variável por mudarem os tempos e as ideias dos cavaleiros ?
Houve na verdade uma diferença
grande nas ideias que da concentração tiveram uns e outros mestres, conforme a
época em que viveram, porém a meu ver essas modificações não provieram de uma
questão de moda na maneira de praticar a equitação, mas sim da raça,
constituição física e temperamento do animal de escola que, como sabemos, mudou
através dos tempos.
Voltando ao tema que
inicialmente tratávamos, torna-se evidente que nem todos os cavalos podem dar o
mesmo grau de concentração no decorrer do ensino, o que quer dizer que a
entrada dos posteriores ( rassembler )
pela qual procuramos nessa fase, dominar o individuo é diferente conforme a sua
conformação física e moral.
Como se vê nós distinguimos o “
rassembler ” que domina e é um processo de ensino do “ rassembler ” dos ares, que
os enobrece dando-lhes correção e brilho. O primeiro terá que ir até ao extremo
das faculdades do animal para que o domínio completo se obtenha, enquanto que o
segundo tem o seu ponto ideal, para além ou aquém do qual a incorreção aparece.
É referindo-se ao “ rassembler ”
de domínio, que o cap. RAABE escreve « C’est donc, par delá son mécanisme, sa
volonté qu’il nous faut atteindre, et la gagner jusqu'à ce qu’elle ne fasse
plus qu’une avec la nôtre ».
Evidentemente que, por exemplo
o « Piaffer » para ser correcto deve preencher os mesmos requisitos
em qualquer cavalo independentemente da sua raça, porém o “ rassembler ”
praticado como ginástica, diverge muito conforme a constituição e sangue do
animal.
Mas porque é que foquei a
diferença entre o “ rassembler ” apenas necessário à prática de certo ar
e o “ rassembler ” possível do cavalo que vai além das exigências das
próprias regras definidoras das figuras da Alta Escola ?
Para responder à segunda
pergunta acima formulada. Na verdade, independentemente do “ rassembler ” em
certo ar, ele deve ser praticado com outro intuito, como meio de domínio no
decurso do ensino.
É que sem se obter a
concentração máxima, o cavaleiro não pode dizer que a sua montada está
absolutamente subjugada. Claro que esta questão põe-se com maior interesse nos
cavalos capazes de darem uma entrada de posteriores mais acentuada do que a
perfeição do ar exige, o que acontece com os cavalos da escola antiga e se dá
ainda com os nossos peninsulares.
Evidentemente que, por exemplo
a “ passage ” executada por estes, tem os mesmos requisitos de entrada dos
posteriores, ( curvilhão na perpendicular baixada da ponta da anca ) porém se o
animal é forte e nervoso e se o cavaleiro não praticou o “ rassembler ”
extremo, que se avalia pela entrada mais a fundo dos posteriores, obrigando-o a
aceita-lo por momentos que seja, o domínio total do cavalo não foi obtido.
Quer dizer que há uma diferença
entre o “ rassembler ” que domina e o que o animal deve mostrar quando se
exibe.
Os cavaleiros modernos parecem
esquecer, muitas vezes, este problema de sujeição que só o “ rassembler ”
extremo ( que varia com cada animal ) pode dar, para se confinarem à obtenção
da concentração exigida pelos ares que têm de praticar numa prova de ensino e
daí que muitos desses cavalos concorrentes deem a impressão de poderem
furtar-se à obediência imediata exigida pelo cavaleiro.
Os nossos toureiros equestres
têm que levar as suas montadas a uma concentração do post-mão muito maior exactamente
por precisarem dum domínio imediato nas voltas, piruetas, recuos, arranques e
paragens, das lides com o toiro, que a prática apenas do “ rassembler ” como
requisito do ar não poderia fornecer. O problema aparece com acuidade sobretudo
nos cavalos peninsulares, visto terem muito mais facilidade em se meterem nas
pernas do que quaisquer outros. Daí que a equitação de toureio ainda se inspire
muito na atitude “ metida ” dos cavalos da Antiga Escola.
Aos primeiros só uma equitação
científica e perseverante consegue dar-lhes o “ rassembler ” necessário ao ar,
enquanto que os segundos tomam facilmente a posição de pernas metidas para além
das próprias exigências do ar e principalmente entre os peninsulares
encontram-se animais assim.
Em resumo : Há cavalos cujo “
rassembler ” máximo é o dos ares de escola considerados clássicos, “ piaffer ”
e “ passage ” mas há também animais cujo “ rassembler ” máximo vai muito além
da concentração exigida nesses ares.
Mas será de facto necessário
abordar a prática do “ rassembler ” máximo em cada animal ?
RAABE a pág. 145 do livro de
Decarpentry escreve : “ quanto mais o cavaleiro obrigar o cavalo a juntar as
suas quatro extremidades, mais ele o força a empregar as suas forças, de
maneira a ficar em equilíbrio e mais a balança hípica se torna sensível à menor
deslocação de peso. Portanto, pode-se dizer que a resistência do cavalo opõe,
está em razão directa da extensão da sua base de sustentação ”.
Se não pusermos em prática este
ensinamento do grande mestre, os cavalos de “ Rassembler ” difícil ( de 1 a 3 )
não chegarão à concentração mínima exigida para a prática dos ares e os que
atingem por si o ponto 5 não estarão absolutamente dominados.
Se um animal com facilidade em
atingir o ponto 5 ( “ rassembler ” de domínio ) só for concentrado até ao ponto
3 ( “ rassembler ” do ar ) pode sempre acontecer que ele use as suas faculdades,
metendo-se de repente nas pernas, para se furtar a uma exigência do seu
cavaleiro e este fica então sem controle sobre ele.
Desde que o equitador não
cultivou o “ rassembler ” máximo do seu cavalo, duas coisas lhe podem acontecer
– ou não consegue obter a concentração necessária ao ar ( cavalo que mete mal
as pernas ) ou não atinge o domínio absoluto da sua montada ( caso do cavalo
que utiliza muito bem o seu post-mão ).
A última hipótese, dá-se
sobretudo com os animais de raça peninsular, pois como se sabe, da entrada dos
posteriores resulta a desconcentração do maxilar e quanto maior for essa
entrada, mais esse aligeiramento se manifesta. Daí que se a máxima posição adiante
dos posteriores, não for praticada ( “ rassembler ” de domínio ) o animal
tomará por si essa posição, que lhe é facilitada pelo físico e como a
consequência desta atitude é a desconcentração exagerada do maxilar, o cavalo
perde o governo da sua montada e o seu domínio desaparece, portanto fica em
falso.
O “ rassembler ” inicial de “ Baucher
” que costuma ser figurado com o cavalo de pés juntos às mãos, tem sido
criticado como posição que falseia a da boa equitação, porém, se aplicarmos a
distinção que apontei acima, tudo se justifica, pois não podemos pensar que
esse genial cavaleiro praticasse “ piaffer ” com o animal pisando quase os
anteriores com os posteriores. O que o perfil do cavalo “ baucherisado ” da 1ª
fase representa é um “ rassembler ” que exercita, domina e prepara o animal à
execução correcta do ar no fim do ensino.
Conta-se que o mestre Vitorino
Frois passava a maior parte do tempo da lição a praticar o “ rassembler ” do “ baucherismo
” primitivo e se bem que este processo seja acusado de “ apagar ” os cavalos,
ainda hoje se fala no brilhantismo com que trabalhavam as montadas do célebre
cavaleiro tauromáquico. O que explica esta aparente contradição é quanto a mim,
aquilo que acima expusemos – a prática do “ rassembler ” como exercício que ginástica
e domina é diferente da do “ rassembler ” do animal já preparado pelo primeiro,
devendo aquele chegar ao ponto máximo de concentração consentido pelo animal e
este ajustar-se exactamente à entrada dos posteriores exigidas pelas regras da
equitação.
Uma das razões porque as
modernas provas de ensino só consideram como ares clássicos o “ piaffer ” a “
passage ” a pirueta e as passagens de mão a tempo é quanto a mim, o facto de
não ser considerada a diferença entre os “ rassemblers ” de que acima falamos.
Só se pensa na concentração que o ar deve ter e como não se atende aquela que o
cavalo que o domínio do cavalo exige, o “ écuyer ” chega ao ponto de temer que
esta última vá prejudicar, por excesso a boa execução de uma prova. O
concorrente passou a ter medo do “ rassembler ” quando é ele que, bem empregado
constitui a sua melhor arma de domínio !
Daqui resultou ainda a
consequência acima apontada : habituada a ver como defeito a entrada maior dos
posteriores, concluiu a equitação moderna que os ares antigos em que ela era
exigida, deixaram de ter interesse, parecendo até que já não são considerados
clássicos.
Diz o regulamento 419 do
regulamento da F.E.I. que “ os saltos de escola, deixados de praticar em muitos
países, não figuram por isso no programa de Grande Prémio de Ensino ” e ainda
que nos parece ter a razão apresentada, muito pouca força, dado que esses ares
fossem admitidos, continuar-se-ia uma equitação tão bela e de tão grandes
tradições, porque não se acha interesse ao galope para trás e “ sur place ” à “
passage ” e trote para a retaguarda, ao “ piaffer ” com “ balancé ” de ancas e
espáduas às passagens de mão a tempo no mesmo terreno, para trás e em pirueta,
etc, etc, ? A equitação de escola parece
estar condenada a morrer de monotonia !
A razão profunda pela qual
estes ares não são admitidos relaciona-se contudo, com aquilo que acima
escrevemos – quanto mais reunida é a figura de picadeiro executada, mais “
rassembler ” de domínio demonstra e os ares que hoje de praticam exigem apenas
uma concentração pouco acentuada do post-mão, daí que a eficácia ou solidez do
verdadeiro ensino se veja seriamente comprometido.
É quase certo que o problema
exposto não foi tomado em consideração, porque os cavalos peninsulares são praticamente
desconhecidos ou considerados sem interesse para as provas da F.E.I. Porém como
entendemos que a verdadeira equitação deve resolver o problema de domínio e equilíbrio
de todos os cavalos, aqui deixamos a nossa opinião sobre um problema que, por
afectar principalmente o cavalo andaluz, não deixará por certo de dificultar o
ensino de alguns animais de outras raças.
Os
Processos da Equitação Ribatejana
A equitação da Golegã foi
buscar os meios equestres de que se serve, principalmente aos processos da
Escola Antiga e ao baucherismo primitivo.
Da Escola Antiga ficou a
atitude sentada, o emprego do freio de ação forte sem bridão e o uso da sela “
à demi-pigner ” por parte de alguns cavaleiros.
Da posição acima apontada,
resulta o cavalo ficar sentado, andando com a cabeça no ar, visto não se
empregarem ( pelo menos que eu saiba ) os pilões com as rédeas fixas e o
cabeção, com que os mestres antigos obrigavam o animal a vir ao “ ramener ”.
Daí que a posição vertical do chanfro seja quase impossível de obter com o
cavalo muito metido detrás, ainda que, como é costume, se pretenda atingir o
mesmo fim utilizando freios de acção forte.
Por outro lado, o cavalo
sentado e com a cabeça no ar, levanta muito a frente na “ passage ” e por isso
não pode transitar facilmente para o trote largo, visto os posteriores estarem
esmagados, o mesmo se dando do galope curto para o alongamento.
Outro processo da escola antiga
que ainda usam é basearem o ensino na prática do trote curto. Pena é que o
trote largo não complete este trabalho, que assim fica imperfeito. Como já
vimos o baucherismo veio basear o seu método no trabalho de passo, porém a seu
tempo explicamos como o trote tem também vantagens.
Do baucherismo primitivo ficou,
como mostram muitos cavalos, o seu “ rassembler ” característico ( pernas muito
metidas, cabeça na vertical ou aquém dela, mãos sob o corpo, quando parado ) o
mascar barulhento e constante dos ferros, uma impulsão precária, o emprego do
efeito conjunto e dos efeitos diagonais.
A preocupação constante destes
cavaleiros é o “ rassembler ” e abordam o seu estudo demasiado cedo, mas com
acertada razão de que quanto mais concentrado estiver o cavalo, mais
equilibrado está e portanto mais manejável ( ver como o cap. Raabe justifica
este ponto de vista em “ Méthode de Haute École d’Equitation ).
O mal não está, pois na
concepção de que o “ rassembler ” é essencial ao ensino, o mal está em não se
entender o seu verdadeiro significado e daí que se comece a juntar os pés às
mãos do cavalo como fez Baucher na sua 1ª fase, com o fim de tirar a “ passage ”
e não com a ideia de melhorar o equilíbrio geral por meio da ginástica do
dorso. Porém, como muitos animais não se cadenciam logo, ou então porque o
cavaleiro tem demasiada pressa, o que acontece é que se começa a exigir ao
cavalo que levante a mão e que a associe com o posterior seu diagonal e daí
nasce a “ passage ” pela sucessão do apoio das duas diagonais assim combinadas.
Por fim acontece uma de duas, ou o cavalo está sentado e levanta muito as mãos
para o ar sem andar quase nada pois os posteriores estão esmagados, ou joga os
braços para diante, fazendo uma “ passage ” muito aberta.
Ambas estas atitudes demonstram
um “ rassembler ” deficiente e uma pressa exagerada na obtenção da “ passage ”.
Quanto a mim o facto de obrigar
o cavalo a levantar os braços neste ar, por meio da vara, não é defeito se for
empregado em cavalos rasteiros de andamentos e desde que os posteriores
estejam metidos e flectidos como deve ser, pois assim se conseguirá um
brilho muito maior e em certos casos de animais muito nervosos, que se agitam
no mesmo terreno sem contudo cadenciarem, ou nos de temperamento muito brando,
será esse o único meio de lhes tirar a “ passage ”.
Tal como se procede para com o
post-mão, trabalhando-o à vara, não vejo razão para que não se faça o mesmo à
frente do cavalo, a fim de elevar e arredondar os movimentos dos braços, o que
é essencial é que o trabalho preparatório dos posteriores preceda o dos
anteriores, para que a impulsão e “ rassembler ” não fiquem comprometidos.
O mascar barulhento dos ferros
que resulta necessariamente da entrada dos posteriores para debaixo da massa é
demais explorado pelo cavaleiro ribatejano e daí haja o perigo de acuamento, ou
pelo menos de que a descontração do maxilar deixe de ser a melhor maneira de
avaliar o equilíbrio geral do cavalo, como seria se o aligeiramento da boca
fosse correcto. Contudo o defeito tem
atenuantes, pois como diz Beudent « l’animal paraissant “ dans le vide ”est,
même non placé, en equilibre s’il est léger, et il est plus en main que s’il
tirait »
Em consequência do que acima
ficou exposto, resulta os cavalos apresentarem uma falta de impulsão evidente e
isto não tanto por não empregarem facilmente os andamentos amplos ( os
concentrados são mais próprios para a sua constituição ) mas porque esmagados
no seu post-mão, não têm a flexibilidade de articulações que lhes permita
transitar para andamentos mais largos. Falo em transitar, para exprimir que o
cavalo deve saber passar dos andamentos curtos aos amplos e vice-versa, mesmo
que a sua constituição e temperamento lhes dificulte o trabalho demorado em
bases longas, como acontece com a maioria dos indivíduos de raça peninsular,
pois que um encurtamento ou um alargamento é tanto melhor quanto melhores forem
as primeiras passadas do andamento para o qual se transmite e não pelo
número delas.
Por isso os equitadores
ribatejanos não tem desculpa para a falta de impulsão que as suas montadas
apresentam, pois bastava para a prova a transição do trote curto ao largo
durante 30 ou 40 passadas.
O cavalo em “ passage ” ou “
piaffer ” está mais apto a transitar com impulsão para o trote largo, como mais
vantagem, visto que actua nestes ares “ sob pressão ” porém, como os cavaleiros
não conseguem essa transição, temos que atribuir as culpas à atitude em que o “
piaffer ” e a “ passage ” se executam normalmente na Golegã, com excepções
muito honrosas para alguns cavaleiros.
O emprego do efeito conjunto
não é bem doseado, visto que os cavaleiros cujos processos estamos analisando
não o consideram como o meio infalível de domínio e portanto de aplicação
apenas excepcional, mas sim como a maneira normal de restabelecer o equilíbrio perdido.
Também a impulsão fica comprometida com a aplicação deste processo.
Os efeitos diagonais são
empregados sem a compensação imprescindível da perna do mesmo lado da rédea determinante
e por isso a impulsão fica comprometida e o cavalo torto.
É altura de falarmos da atitude
que os cavaleiros tauromáquicos dão aos seus cavalos, refiro-me à posição da
cara na direita, preconizada pela maioria.
Dizem que o cavalo com a cara
nessa posição vê melhor o toiro e por isso terá mais facilidade em se desviar
dele, mas rigorosamente, não parece ser esta a explicação, visto a inserção dos
olhos na cara lhe permitir, mesmo sem desvios da cabeça, ver o que se passa ao
pé da garupa.
A razão porque o cavaleiro
precisa que a cara vá um pouco nesse lado é dupla : primeiro, porque tem
necessidade de conservar as espáduas do cavalo em frente do toiro no momento da
reunião, pois se a ganacha direita não cede ele porá o “ bico ” na esquerda,
furtando-se assim à correcta consumação da sorte : segundo, a dita posição
facilita a deslocação da garupa para a esquerda e o remate da sorte.
Este último efeito é muito
importante, mas é preciso que a posição da cabeça na direita e o seu efeito que
é rodar a garupa para a esquerda não seja prejudicada pela perna esquerda é que
normalmente vêm-se os cavalos com a cara na direita, mas com a garupa também
nesse lado e daí que se tenha já chamado a esta posição a de “ pescadinha de
rabo na boca ”.
Parece haver, na necessidade da
posição da cabeça na direita, uma aplicação do princípio “ a posição
sobrecarrega e o gesto alivia ” e por isso tem de haver toda a cautela em não
exagerar essa atitude a fim de que o gesto para a direita ( que alivia a
espádua direita ) não se transforme em posição ( que sobrecarrega a mesma
espádua )
Estas considerações não visam a
impor uma teoria do momento de cravar, partindo da maneira como o cavaleiro
tem que conduzir a sua montada.
Não sou toureiro e a explicação
que estamos dando é apenas um esforço para tentar descrever o que o animal deve
fazer e quais as vantagens e inconvenientes das atitudes que vemos os cavalos
tomarem cá fora e que não facilitam em frente do toiro, a correcta consumação
da sorte. É portanto uma tentativa de critica à face dos princípios da Equitação
de Escola e não uma teoria definitiva que só poderia sê-lo, se fosse
escrita por um praticante do toureio a cavalo.
No princípio acima enunciado, posição
quer dizer permanência, gesto significa rapidez de atitude e daí que a colocação
constante e exagerada, em certo ponto tenha efeitos diferentes da mesma
atitude tomada apenas por instantes.
Vejamos alguns exemplos : o
cavalo quando despede uma parelha de coices, levanta a cabeça repentinamente (
gesto ) para aliviar os posteriores e só depois abaixa para desfechar a
pernada, daí que a colocação alta e permanente da cabeça ( posição ) tenha o
efeito de sobrecarregar o post-mão, enquanto que a mesma atitude tomada
repentinamente tem o efeito contrário e de aliviar os posteriores, donde se
conclui que para evitar uma parelha de coices de pouco servirá levantar a
cabeça. O animal tropeça estende o pescoço para baixo repentinamente ( gesto )
e isso alivia-o segundo o princípio exposto, daí que o efeito normal do
pescoço com o focinho no chão ( posição ) que é sobrecarregar as
espáduas, seja diferente dessa mesma atitude tomada de repente e durante
pouco tempo, donde se conclui que não será tão eficiente como pode parecer
levantar a cabeça no momento do animal tropeçar, já que, seja qual for a sua
posição, ele baixará repentinamente o pescoço para se aliviar.
L. DE Sevy, citado por Licart (
pag. 44 “ Equitation Raisonnée ” ) escreve : “ Assim, por exemplo, estaticamente,
o abaixamento do pescoço carrega a frente. Considerado do ponto de vista
dinâmico, o gesto de abaixamento do pescoço produz o efeito contrário ”
Se no toureio, o cavalo precisa
de ter a espádua direita aliviada, a prática exagerada e constante da flexão
lateral do pescoço para esse lado sobrecarrega-a, daí que essa posição que
vemos frequentemente forçada ao máximo, não nos parece a mais indicada para a
melhor solução do problema da consumação da
e sorte e se à atitude do pescoço indicada, juntar-mos a da garupa para
o mesmo lado, como tantas vezes acontece, não se nos afigura que o dito
problema se possa resolver convenientemente.
Os ares
praticados pela Equitação Ribatejana
Como já deixamos transparecer,
o trabalho de passo não existe como andamento natural. Há o que se chama passo
levantado, passo travado e a andadura, mas o andamento natural a quatro tempos
nítidos não é praticado. Como os cavaleiros procuram o airoso e o brilhante,
não se importando com a correção do movimento que executam, aí os vemos
passeando-se a chôto !
Há contudo uma modalidade de
passo que alguns praticam, o passo espanhol ou suspenso, considerado pela
maioria dos autores como um passo artificial ou de fantasia, opinião esta
oficialmente consagrada no regulamento da F.E.I….Por mim, penso como GUSTAVE LE
BON que “ todos os andamentos naturais no cavalo em liberdade, tornam-se
artificiais sob o peso do cavaleiro ” e portanto, o passo suspenso será tão artificial
como obrigar um cavalo a recuar ou a ladear. Não percebo como é que se pode
atribuir uma artificialidade a este ar e considerar uma serie de passagens de
mão a tempo, ou uma transição da “ passage ” ao “ piaffer ”, tanto mais que
sobretudo entre os peninsulares, há muitos cavalos com propensão rácica para a
“ jambette ”.
Se esses ares admitidos nas
provas de ensino fossem naturais como se parece admitir, como é que o valor do
“ écuyer ” se demonstrava ?
Julgo que o passo suspenso bem
praticado é uma ginástica muito salutar, mas o que acontece muito
frequentemente é ele ser praticado não a quatro tempos como passo que é mas sim
com a diagonalização dos membros, o que levou, por exemplo LICART a escrever
que ele é sempre feito a dois tempos ( Equitation Raisonnée, pag. 80 ). Se
alguns cavalos têm dificuldade em marcar distintamente os quatro tempos, não
quer dizer que ele seja sempre diagonalizado.
Sendo o passo normal
considerado por BAUCHER o andamento base do ensino, o passo suspenso, que não é
mais do que aquele praticado com os seus gestos levados à máxima amplitude e
lentidão, terá todas as vantagens do passo curto e ainda as de desenvolver a
amplitude dos gestos e descontração do maxilar.
WACHTER e GUSTAVE LE BOM aplicam o passo suspenso como ginástica
e o primeiro escreveu : « le pas espagnol et la passage donnent à des chevaux
d’une solidité douteuse jusqu’alors, une rare perfection dans les évolutions
des membres » ( G.LE BON « Equitation Actuelle et ses
Principes » pag. 147 ).
Claro que a ginástica destes ares só dará
estes óptimos resultados se for feito a quatro tempos.
O trabalho de trote é praticado
em voltas, duas pistas, “ passage ” e “ piaffer ”. Os ladeares pecam
frequentemente por a garupa ir adiante das espáduas e das deficiências da “
passage ” e do “ piaffer ” já falamos o bastante para se concluir que com a sua
prática se pretende atingir mais o brilho do que a correção.
O trabalho de galope é feito em
voltas, piruetas rápidas, passagens de mão em linha recta e com mudanças
repentinas de direção, transições do galope à passagem, desta ao recuar com
nova saída ao galope. Este trabalho que muitas vezes é brilhantemente feito,
mostra a sujeição e prontidão do animal, exibindo os movimentos que o cavalo
tem que fazer perante o toiro. Pena é que o cavaleiro não acostume a sua
montada a passar deste trabalho que tanto o excita, para um outro em calma
perfeita.
É interessante que o cap. RAABE
se refere a estas evoluções a galope, ao definir a “ Passade ” ( pág. 295 do
seu “ Méthode de Haute Êcole d’Equitation ” ) : “ o cavaleiro que percorre com
o seu cavalo uma linha recta a galope largo e que o encurta na mesma linha, por
meio de uma meia pirueta, fazendo várias vezes estas idas e vindas, executa a “
Passade ” pode mesmo, no fim de cada meia pirueta, fazer uma passagem de mão,
que lhe permita executar o seu trabalho ao longo do muro, este exercício bem
executado, denota um verdadeiro talento e um cavalo perfeitamento arranjado ”.
Parece que o cap. RAABE foi alguma vez à feira de S. Martinho !
E é pena que as elogiosas
palavras que escreveu acerca da “ Passade ” não se apliquem completamente aos
cavaleiros ribatejanos que a praticam, só porque depois destes movimentos tão
brilhantes os cavalos não se acalmam, mostrando assim que a equitação exibida
vive de inspiração que leva à prática diária do ar brilhante e não da aplicação
de exercícios que ginasticam, que acalmam e que preparam a perfeição das figuras
da Alta Escola.
Contudo os cavaleiros cujas
montadas fazem a “ Passade ” como deve ser, podem estar satisfeitos consigo e
com o seu cavalo, visto que um mestre como RAABE lhes faz os maiores elogios.
Que cada um tente merecê-los !
Parte
V
CRISE
DE EQUITAÇÃO BAUCHERISTA
DE
EQUITAÇÃO DE ESCOLA
Através das páginas precedentes
ressaltou suficientemente a nossa opinião sobre o que deve ser a verdadeira
equitação de escola, daí que nos fique por resumir o nosso pensamento,
comparando-o com as práticas correntes que dela se afastam. Quanto a mim, a
equitação como ciência e arte tem que ser geral, pessoal e única.
GERAL, quer dizer, aplicável a
todos os cavalos com os mesmos resultados eficientes.
PESSOAL, isto é os meios empregados
variam com o tacto e sensibilidade de cada um.
ÚNICA, por todos os ensinos
terem o mesmo fim, ainda que os meios empregados para lá chegar sejam
diferentes.
Capítulo
I
A EQUITAÇÃO É GERAL
QUANTO AO SEU CAMPO DE
APLICAÇÃO
“ A finalidade da arte não é só
montar o animal bem conformado, mas também tirar todo o partido possível do que
for menos dotado pela natureza ” ( Hunergdorf ). Esta frase parece ter hoje
pouca aplicação, visto a equitação académica ser aplicável quase só a animais
de constituição perfeita, o que lhes tira o caracter de generalidade apontado
nas palavras deste autor alemão.
É de acordo com este caracter
geral que um “ écuyer ” será bom se consegue por um cavalo perfeito de formas a
fazer os ares mais difíceis da arte equestre, mas também precisa de estar apto
a ensinar um animal deficientemente constituído, não digo a fazer este ou
aquele ar, mas pelo menos a equilibra-lo nos três andamentos.
Qual das duas tarefas é mais
difícil ?
Explorar as
qualidades do cavalo bom, ou transformar um animal deficientemente
constituído numa montada bem equilibrada ?
Se não sei responder à questão
posta, quero contudo acentuar que esta faceta apaixonante que consiste em fazer
do mau um bom cavalo, está quase posta de lado, visto exigir muito mais gosto
pela arte equestre e portanto um estudo e uma prática muito maiores do que há
hoje.
Dantes os cavalos tinham que se
ensinar e tornar agradáveis, por nem todos terem dinheiro para comprar animais
perfeitos, mas hoje o gosto pela equitação só se mantém um pouco naquela parte
que se aplica aos cavalos bons…pois são esses que ganham os prémios.
Se a equitação fosse só isto,
seria um privilégio dos ricos !
Não esqueçamos, porém que são
as naturezas deficientes que desenvolvem a habilidade do cavaleiro, pois não é
montando “ peras doces ” que o tacto equestre se desenvolve e sem este, quantos
cavalos bons se põem de parte com o rótulo de maus !
BAUCHER
viu isto claramente ao escrever na 5ª ed. da “ Nouvelle Méthode ” a pág. 266 “
Mais les écuyers peuvent pretendre à ses resultats plus brillants encore. S’ils
parvenaient à faciliter la bonne éducation des chevaux inférieurs, ils
populariseaient au sein des marres l’étude de léquitation, ils mettraient
ainsi à la porté des Courses Moyennes, si nombreuses dans notre pays d’égalité,
la pratique d’un art qui jus ‘qua ce jour est resté l’apanage des grands
fortunes. Tel a été, pour mon compte, le but des travaux de toute ma vie ”.
As obras dos mestres tem
geralmente um defeito, só se aplicam inteiramente ao cavalo de formas correctas
e foi por ter consciência da dificuldade na aplicação correcta dos seus
excelentes princípios gerais, que o general “ DECARPENTRY abre capítulos na “ Equitation
Académique ” para o trabalho em pilões, com rédeas longas e fixas e em inúmeros
parágrafos e chamadas explica muitas das excepções à regra para a execução de
um certo ar ou exercício.
A equitação deve ser aplicável
a todos os cavalos como ciência e arte que é e não só aos de configuração
perfeita, mas para isso temos que admitir muitos desvios aquela meia dúzia de
princípios fixos que o cavalo não pode afastar do ensino, ministrado às suas
montadas. Como conhecer essas excepções ?
Desenvolvendo o tacto equestre
por meio dos conselhos dum mestre, pela leitura e prática constantes.
Como dissemos acima, o que hoje
se procura é arranjar um cavalo bom para ganhar um prémio e se para isso já é
preciso muita habilidade mas sobretudo seguir um método, não esqueçamos que
para se ensinar uma natureza deficiente, só o tacto equestre elevado ao seu
mais alto grau, consegue resolver as dificuldades deste problema.
O vencedor dos dois últimos “
Grandes Prémios Olímpicos de Equitação ”, o Comandante S. CYR, declarou numa
entrevista publicada na Diana, prescindir absolutamente das flexões feitas a
pé, do que se conclui serem os cavalos montados por ele de tal maneira
equilibrados naturalmente, que não necessitam de uma ginástica considerada quase
unanimemente como fundamental para chegar à perfeição em Equitação
Académica.
A equitação de escola é hoje
essencialmente metódica, o que está em contradição com o que o general L’HOTTE
escreveu : “ Nenhum método dá resultados infalíveis por mais bem ordenado e
lógico que seja, toda a acção equestre exigindo para se obter o efeito desejado
aquilo que nenhum escrito sabe dar : o propósito e a medida, quer dizer o
tacto equestre.”
As extraordinárias qualidades
de cavaleiro que levaram BAUCHER a arranjar um Gericault em 6 semanas
apresentando-o no circo e as que levaram FILLIS a ensinar o deficiente Povero
como se pode ver pela fotografia do “ Journal de Dressage ”, já hoje não são
apreciadas pelos que julgam as provas de ensino. Qual a razão ?
Como diz o alemão M. GLAHM (
Eperon de Fevereiro de 1957 ) “ antes da 1ª guerra o grande critério do júri
era este : o cavalo que saiba empregar o seu dorso de maneira elástica era a
noção standard de todos os julgamentos…” e então havia a preocupação de
classificar segundo uma qualidade básica da equitação de escola que é a
flexibilidade, donde deriva a impulsão e a ligeireza, porém hoje apreciam-se os
andamentos bonitos, amplos, oriundos principalmente da constituição, sangue e
reação do cavalo sem atender a que, como diz M. GLAHN “ toda a extensão
exagerada, toda a concentração, tudo o que não é natural, prova que o andamento
é impuro, incorrecto ”.
Assim pois, olhando o panorama
actual da equitação de escola, verificamos que ela tem um campo de aplicação
muito mais restrito, o do cavalo bem configurado e bonito de formas e
andamentos, visto a resolução do problema do cavalo difícil ter deixado de
interessar ao “ écuyer ”.
É preciso ser realmente um
apaixonado pela arte equestre para ter gosto em vencer a dificuldade e com isto
não me refiro unicamente aos cavalos viciados e perigosos, mas principalmente
aos de constituição deficiente e temperamento difícil.
Não quero com estas minhas
considerações desmentir o que de muito se tem feito para a expansão da moderna
equitação de escola através de provas, cursos, cartas de professor, etc…, com o
que não estou de acordo é com a maneira como as provas são julgadas e com as
consequências que desses julgamentos derivam para a prática normal de equitação
de escola, visto que os futuros concorrentes montam preocupados diariamente em
fazer como o júri quer, sem ao menos pensarem que essa opinião oficial,
por não ser errada, pode ser muito discutível e que fora das provas oficiais
ainda se pode praticar a Alta Escola tradicional.
Seguindo o critério determinado
em várias provas da F.E.I. consegue-se uma certa uniformidade nos julgamentos,
porém como os cavalos que agradam são os de sangue com belos andamentos, essa
maneira igual de julgar, passa a formar como que um corpo de doutrina. Que tendência
é esta, não parece haver dúvidas, visto que os juízes das provas nacionais
julgam pelo mesmo critério dos internacionais e porque ele é aplicado a cavalos
do mesmo tipo, o de sangue, perfeitos de formas e andamentos, há a possibilidade
de concluir da constância nas apreciações, qual o método que convém aplicar
para classificar bem certo cavalo. Chega-se assim a esta conclusão : Sabe-se
qual o critério de julgamento e portanto o método a por em prática para o animal
agradar e como o júri aprecia segundo as mesmas regras, os cavalos são do mesmo
tipo e as provas iguais e dada a coincidência em todos os concursos destes seus
três elementos principais, concluímos que existe a tendência para tornar a
apreciação dos juízes num processo equestre oficial, que os concorrentes
terão que ter sempre presente, se quiserem classificar-se bem. Não interessa
pois dar ao cavalo o arranjo que necessita, mas sim obriga-lo a fazer uma
prova conforme o júri entende que ela deve ser feita e isto é muito
diferente da tradicional equitação académica. As provas oficiais fazem com que
a equitação se especialize no trabalho de certos cavalos, afastando-a do
caracter geral que devia ter e continuamos defendendo.
Por exemplo, o regulamento das
provas de ensino da F.E.I. aconselha em relação ao passo e à “ mise en main ”
que esta “ não deve ser mais desenvolvida do que permite o grau de ensino
atingido, porque o passo viria a ser prejudicado com isso ”. É claro que esta
prescrição do regulamento da F.E.I. torna-se rapidamente numa regra que o
concorrente entende dever respeitar para obter uma boa classificação, contudo
ela terá aplicação nos cavalos muito bem equilibrados, porém a maior parte das
vezes a “ mise en main ” tem que ser muito aperfeiçoada no passo, para se poder
executar os outros andamentos. É o que faz BAUCHER trabalhando a “ mise en main
” no passo curto para só depois passar aos exercícios nos outros andamentos e
quando preparar um deles, volta sempre ao passo e só depois de dar a posição
neste andamento por meio do efeito de conjunto é que dá a ação para
execução do exercício pedido.
O equitador que pretende de facto dominar a
sua montada tem que desenvolver todas as vantagens da ligeireza, tais como a flexibilidade
e a colocação correcta e não pode estar atido só à regularidade do passo, visto
haver problemas de sujeição que requerem uma “ mise en main ” perfeita.
Claro que apesar disto a
equitação continua a ser uma arte muito difícil, tendo contudo a dificuldade
passado a incidir sobre pontos que não consideramos do valor equestre
principal.
Dos escritos e da prática dos
grandes mestres vemos que ambicionaram sempre ensinar todos os cavalos, fáceis
e difíceis e não foi por outra razão que o inovador BAUCHER teve que procurar
constantemente novos efeitos e processos, chegando a escrever “ em equitação
experimentei tudo ” e da análise das fases do seu ensino, vemos bem a
preocupação de tornar aplicável o seu método a todos os cavalos e utilizável por
todos os cavaleiros. É clássico nos tratados da especialidade o capítulo sobre
cavalos difíceis e o “ Traité des Resistances ” de GERHARDT é todo consagrado
ao seu estudo.
Se os grandes “ écuyers ” se
contentassem com uma forma onde metessem as suas montadas, muitos cavalos
ficariam por ensinar, pois por falta de desenvolvimento das faculdades
encontra-se apenas um espírito vulgar onde existia um génio. ( BAUCHER, passe
temps Equestre, pág. 240 ). Mas esse facto entristece bem poucos cavaleiros dos
nossos dias, pois desde que algum deles ganhou um prémio, sente que atingiu o
fim da equitação, o que na realidade só representa um valor relativamente aos
outros concorrentes e não um valor absoluto em relação a uma arte que não tem
horizontes a fecha-la.
O cavaleiro desistiu de
substituir a Natureza quando ela não foi pródiga para com o cavalo que monta.
Aliás a nossa concepção de
equitação de escola exposta logo no início deste trabalho, que faz dela o
tronco comum da árvore figurativa da equitação em geral, só nos poderia levar à
conclusão de que tem que ser aplicável a todos os cavalos, sob pena de a
condenarmos como “ arte científica ” de que fala LICART.
Esta minha crítica à restrição
do âmbito da equitação académica pode parecer descabida, mas não o é
infelizmente, pois até um juiz das provas oficiais, o coronel CHALLA BELVAL em
artigo do Éperon de Fevereiro de 1957, não faz a mínima alusão à enorme
vantagem da ligeireza para o ensino dos cavalos deficientes, limitando-se a
referir a que os juízes das provas gostam de apreciar, esquecendo, de certo
porque não lhe interessa, o que BAUCHER escreveu acerca da escola Antiga “…nunca
conseguia tornar ligeiro um cavalo de má conformação porque não conhecia os
meios de modificar o seu equilíbrio natural…”.
Isto significa que hoje já não
se pensa na parte da equitação em que o cavaleiro faz “ dum cavalo feio, um
cavalo bonito, dum cavalo mau um cavalo bom ” e se pensarmos que é essa a sua
parte mais interessante, visto ser aquela em que tem de por o seu tacto,
paciência, observação e inteligência, concluímos que a arte equestre já é uma
coisa em que infelizmente o homem pouco se ocupa e medita.
Partindo do princípio que as características
da equitação académica são o “ ramener ” o “ rassembler ” a flexibilidade e a
ligeireza, o écuyer digno deste nome, não recuará perante a tarefa de dar estas
qualidades ao cavalo que naturalmente as não possua, não se contentando em
montar os animais que fisicamente apresentem essas boas características. Só
assim se compreende que os mestres clássicos chamassem à equitação de escola “
Equitation Savante ” certamente porque com o seu estudo e a sua prática se
procurava a resolução de todos os problemas do ensino, para os quais são
necessários até muitos conhecimentos de ciências diversas, tais como a física a
psicologia, a anatomia, etc, que completam a ciência equestre propriamente dita.
Do que acima ficou exposto
ressalta esta triste conclusão : a equitação académica teve o seu período de
florescimento e agora tende a recuar aos tempos anteriores ao baucherismo em
que a escola Antiga só ensinava os cavalos bons por não ter os meios de
modificar o equilíbrio natural dos outros. Contudo é preciso salientar que a
equitação dessa época não tinha a ciência a servi-la e hoje esta tornou
indiscutíveis certos pontos equestramente controvertidos através da fotografia,
do cinema, dos instrumentos de mensuração, etc…donde se conclui que havendo uma
ciência equestre apresentada em livros simples, claros e metodicamente expostos
e uma arte equestre de que os autores antigos nos transmitiram os segredos
e belezas, a nossa época deveria ser mais versada em Alta Escola, visto os
cavaleiros terem onde aprender e cavalos melhores que nunca para praticar.
Todavia o espírito da nossa
época não se contentou em fazer de quase toda a equitação um desporto, o que só
por si não é um mal, mas acabou com o espírito artístico do cavaleiro cuja “
grande ambição deve ser a de fazer brilhar o seu cavalo ( SALLINS ) reduzindo a
equitação académica naqueles exercícios e ares em que são mais apreciados os “
imitateurs de justesses ” de que falava LA GUERINIÉRE , que aqueles que os
praticam nos moldes tradicionais.
Capítulo II
A Equitação É Pessoal Quanto Aos Meios Empregados
Defendemos também o caracter
pessoal do ensino ministrado por cada cavaleiro
Muitos
“ écuyers ” extraordinários tem havido, vários métodos forma escritos para
ensinar os cavalos ou para adquirir uma boa posição, etc…, porém se nos
perguntarem qual é o melhor dos cavaleiros ou o sistema mais infalível de
ensino, não sabemos responder com consciência e porquê ? Porque cada um lhe dá
mais jeito actuar desta ou daquela maneira, tomando uma ou outra posição quando
montado, ou ainda aplicando este ou aquele processo conforme o animal que monta
e como o bom “ écuyer ” se avalia pela qualidade do trabalho dos seus cavalos,
a questão dos meios empregados para os levar a esse ensino perfeito torna-se
secundária.
Quanto
aos processos, também não interessa que D’ Abzac dando lições mostrasse a preocupação principal do seu método
ordenando constantemente “ Assis…Assis… ” ou Baucher recomendasse sempre “
léger…léger ” e M. De Vaudeuil repetisse muitas vezes aos seus discípulos “ du
brillant ! du brillant ! du brillant ” se foram cavaleiros excepcionais, apesar
do primeiro não ter as suas montadas tão ligeiras como Baucher queria e este
não apresentar o célebre “ assiette ” francês D’Abzac !
Não
domava Cesar Fiaschi os cavalos por meio da música ! Não ensinou Fillis tantos
cavalos com as pernas adiante e a frente alta, o que é contrariado por exemplo
por Raabe e não impulsionou as suas
montadas com as pernas às cilhas ou quase, ele o homem da impulsão, apesar do
mesmo Raabe já haver escrito que a impulsão se dá com as pernas muito atrás ! E
não foi este o último que, contrariamente ao que hoje se ensina, e bem
aconselhou as pernas à cilha para o recuar ! E não há uma escola Francesa e
outra Alemã que tanta glória trouxeram à equitação, chegando Decarpentry a
escrever que para bem da Arte era bom até que as duas maneiras de fazer se não
confundissem totalmente ! E não se ensinaram tantos cavalos nos pilões e com
freios compridíssimos ! E não há os que condenam a equitação lateral para a
prática da Alta Escola ( Raabe e Fillis ) e os que a aceitam pelo menos para a
prática de certos ares ( Baucher, última fase e L’Hotte ) E não faz Sallis da
espádua a dentro o segredo da arte equestre condenando Baucher como “ coupeur
de chevaux en quatre ” por usar as acções parciais !
O
único grande e perfeito “ écuyer ” será aquele que, apercebendo-se do problema
que tem de resolver, o solucione por meio da leitura dos livros da
especialidade, ouvindo opiniões que possa consultar, sobretudo pelas
inspirações do seu tacto equestre.
O
general L´Hotte escreveu a pág. 2 das “ Questions Equestres ” : “ Os meios que servem a aplicação dos princípios não não
podem ser fixados de uma maneira invariável, quer tratando-se do cavaleiro,
quer do cavalo ” e se acrescentarmos que
este autor achar que se devia escrever por cima da porta de entrada do seu
picadeiro a palavra “ Reflechissez ” teremos a demonstração de que a equitação
compreendida profunda e artística é pessoal quanto aos métodos que cada
cavaleiro aplica às suas montadas, que serão diferentes
de temperamento e configuração, visto ter de se aplicar a todos os cavalos e
portanto o método não pode ser um só. Há que escolhe-lo e é nisto que a
formação equestre de cada um intervém de maneira decisiva.
É por a equitação ser
pessoal que os árabes dizem que há coisas que nunca se emprestam – a mulher, o
cavalo e a espingarda – que o general L´Hotte deixou dito que quando falecesse,
os seus cavalos de escola deveriam ser abatidos, que o capitão Dumas escreveu :
“ nunca ensinem um cavalo diante de alguém ” que Baucher montava só, de manhã,
antes que os alunos chegassem e por isso também escreveu a propósito da
invenção dos seus 31 ares de equitação – “ Cést assez dire que leur exécution
forme une equitation qui devient personelle, qui ne peut être le partage que de
l´homme stutieux auqel il sufiiit de savoir qu’une chose est faisable pour
qu’il l’entreprenne et la conduire sûrement à bonne fin ” ( Obras Completas de
Baucher ) que o grande Rousselet não se entendeu com o cavalo “ capitaine ”
ensinado por Baucher.
Era assim outrora, o
“ écuyer ” estudioso podia chegar à criação
de processos diferentes e de ares novos, o que dava caracter pessoal à
equitação, ao passo que hoje vai-se caminhando da criação do cavaleiro “
Standard ” e do método único, com todas as vantagens e inconvenientes que
derivam da cópia do mesmo figurino.
No aspecto dos ares
praticados , a consequência será a de cada vez vermos menos e não nos
admirarmos que eles desaparecem totalmente das provas oficiais, pois já li num “
L’Eperon ” a opinião de alguém que
propunha a abolição das passagens de mão a tempo da “ passage ” e do “ piaffer ”
do programa das ditas provas. Abolir os ares de escola é colaborar apenas no
que o animal sabe fazer naturalmente e
não dominar abrilhantando o que ele pode vir a executar por imposição do
cavaleiro.
Prevejo a cara de
admiração e desconfiança com que um cavaleiro da era atómica ouvirá dizer, não acredito
que chegue a ler que o conde Savary de Lancosme de Brièves percorreru no dia 15
de Junho de 1856 “ en presence de personnes honorables ” um quilometro recuando
a trote em 5 minutos e 25 segundos, que Baucher fazia piruetas em passagens de
mão a tempo n0 cavalo Turban, que Fillis teve uma fotografia do Germinal a pág.
182 dos seus “ Principes de Dressage et d’Equitation ” galopando em três pernas
para trás ! acreditará ?
O exercício e o Ar
Em
consequência do que escrevemos o “ écuyer ” deixou de praticar os ares de
escola como meios de ginástica, para os executar só quando o cavalo se dispõe a
dá-lo. A meu ver, há aqui um erro – considerar que se o cavalo não está em
condições de executar um ar perfeitamente, mais vale não o praticar. Eu penso
que não faz mal executá-lo com deficiências, desde que se vá melhorando e
sobretudo desde que o equilíbrio do cavalo beneficie com a sua prática. Fazer
uma “ passage ” pouco concentrada não será decerto o mesmo que executar uma “
passage ” correcta, porém a sua prática não deixará de ginasticar o dorso e as
pernas do animal e mais tarde o próprio ar surgirá muito mais perfeito.
A vantagem da prática de certos ares como meios de ginástica é tornar o ensino
muito mais interessante ao mesmo tempo que reduz bastante o período que
normalmente é necessário para chegar ao “ arranjo ” perfeito.
Parece-nos
que o ar pode ser encarado como um meio de ensino eficiente para certos casos,
se pensarmos na relação profunda que existe entre o exercício e o ar ou figura
de picadeiro como faz Wachter quando escreve, “ o passo suspenso e a passage
dão aos cavalos duma solidez duvidosa até aí, uma rara perfeição nas evoluções
dos seus membros ”.
Afinal
o que vêm a ser os exercícios ?
São
aqueles movimentos que o cavaleiro obriga a sua montada a executar a fim de que
a sua prática e ginastique as articulações e músculos, resultando dela o
equilíbrio do cavalo.
E
o ar ? Costuma definir-se como a “ estilização dos andamentos naturais ” ( Decarpentry ) porém, para a
comparação que pretendemos fazer, convém tomá-lo na acepção de expressão
máxima dum exercício.
Com
isto queremos significar não só que é da prática, perfeita deste que
normalmente resulta o ar, como também que este tem que possuir necessariamente,
quando bem entendido, as virtudes dos exercícios correspondentes elevadas ao
seu mais alto grau. Assim se o trote de escola ( exercício elevado à sua
expressão máxima, constitui a “ passage ” ( ar ) esta tem de conter em si as
mais altas qualidades como meio de ginástica e que o trote curto não possui
como ela. Se o galope curto ( exercício ) prepara o galope no mesmo terreno (
ar ) temos que atribuir a este as vantagens máximas daquele.
Se
não considerarmos assim a relação entre exercício e ar, a equitação como
ciência e arte não terá razão de existir, visto esta última ( composta de
figuras de picadeiro ), se achar separada da primeira ( conjunto de exercícios
com causas e efeitos conhecidos ) e teremos então de admitir como muitos, que
os ares são “ tours de force ” quer dizer que as atitudes forçadas que nada têm
que ver com os andamentos naturais.
É
claro que a linha rigorosa de delimitação entre o exercício e o ar não existe,
é uma questão de concepção ou de moda, pois, por exemplo, o “ piaffer ” hoje
considerado um ar, era visto pela escola antiga como um exercício preparatório
dos Ares Altos e dos Saltos de Escola.
Daqui
se conclui que se normalmente convém começar pelos exercícios para chegar aos
ares, nos casos haverá em que a prática correcta do ar quando o animal se
dispõe a dá-lo, só trará vantagens, pois da execução do exercício de efeito
máximo ( ar ) resultará a obtenção mais rápida do equilíbrio e o ensino tornar-se-á
por isso muito mais interessante. Para quem pensa como nós que a verdadeira
equitação é geral, isto é que se aplica a todos os cavalos, este último aspecto
é muito importante.
Foi
pensando assim que Baucher, Raabe, e tantos outros, começaram a exigir muito
cedo o “ piaffer ” à vara, se bem que só mais tarde abordassem o seu estudo com
o animal montado.
Evidentemente
que esta equitação em que os ares são tomados como expressão máxima dos
exercícios é para muito poucos, mas não é por não sermos capazes de a por em
prática que lhe negaremos utilidade, rapidez e interesse, constituindo uma das
facetas mais apaixonantes. Estou mesmo convencido que seria melhor para
conquistar adeptos, pôr os alunos a praticar ares em cavalos já ensinados e não
a fazê-los pôr em prática exercícios monótonos dos quais nunca chegam a ver os
resultados, pois não há tempo para demoras hoje em dia. Só depois de conhecerem
as belezas da equitação académica é que os jovens, sugestionados por elas, se
poderão dedicar com amor aos segredos que conduzem às figuras da Nobre Arte.
Há
que dizer aos futuros cavaleiros de escola que a arte equestre não se resume em
explorar as qualidades dum bom indivíduo, mas também que o seu campo de
experimentação abrange os cavalos de compleição física e moral de toda a ordem,
lembrando-lhes as palavras de Baucher “ plus la nature esta vare, plus l’art
doit être prodigue ” ( Passe-Temps Equestres ao falar na Cadence ).
Assim
se cumprirá o aspecto pessoal da equitação, visto o “ arranjo ” do cavalo
deficiente derivar quase só das inspirações do tacto de cada um que ditará não
só os meios a aplicar cada caso, como também as modificações a introduzir ao
processo que resolve a dificuldade, em face do animal que se monta.
Por
exemplo, se o cavalo torce a nuca na flexão obliqua do pescoço, a posição
normal das duas mãos terá que se modificar por tal forma que se tenha de empregá-las
até na posição inversa da que usualmente se utiliza ( na flexão à esquerda, mão
esquerda baixa, mão direita alta ). E nisto reside toda a dificuldade e ao
mesmo tempo o feitiço desta arte !
A Equitação É Única Quanto Ao Seu Fim
Qual
é a finalidade da equitação de escola ? O equilíbrio perfeito em todos os
andamentos e ares.
Como
atingir esse equilíbrio a que Baucher chamou do 1º género ? Pela prática da
ligeireza, considerada esta no seu sentido mais amplo e profundo, isto é pelo
emprego daquele esforço mínimo que a produção do movimento pedido exige, por
parte do cavalo e do cavaleiro.
Como
é que na prática essa ligeireza se avalia ?
Pelo
“ rassembler ” que apresenta, isto é pela menor facilidade que o cavaleiro tem
em praticar as baixadas de mão e de pernas, que permitem ao cavalo trabalhar
por si, continuando a executar o que lhe pediu sem o auxílio das rédeas.
Considerando
a equitação como geral, visto ter o poder de melhorar o equilíbrio de todos os
animais, há que admiti-la necessariamente com uma finalidade comum e esta
consiste na obtenção da ligeireza total, o que quer dizer que o ensino tem de
levar o cavalo a evolucionar com o mínimo de esforço e à custa das mais
discretas ajudas pelo menos nos três andamentos e ainda, se para tanto se
prestar o animal, nos exercícios mais complicados da Alta Escola.
Se
a aplicação minuciosa e paciente das diversas progressões apresentadas pelos célebres
mestres, não excluí o problema do equilíbrio e da sensibilidade de cada cavalo,
e por isso o equitador tem de usar dos mais diversos meios consoante as suas
montadas, há contudo uma finalidade comum onde devem conduzir os caminhos
diferentes seguidos no ensino – a obtenção da ligeireza total.
O
general Decarpentry ( pág. 150 “ L’essenciel de la Méthode de Raabe ” )
sentindo que cada cavalo tem a “ sua própria atitude de conjunto que lhe
permite a compensação entre as suas forças e fraquezas ” explica : O único
critério a que o cavaleiro se deve referir para obter o “ pleno emprego ”
dos meios do cavalo é como sempre, o da persistência inalterada da ligeireza
da sua montada submissa e diligente procurando instintivamente na “ liberté sur
parole ” da baixada de mão e de pernas a atitude que lhe permite satisfazer
o seu cavaleiro o melhor possível ”.
Conclusão
Como
ressalta deste trabalho o nosso conceito de equitação de escola é Baucherista e
dele fizemos derivar o seu caracter geral, pessoal e único. Como é lógico o
método que entendemos ser o melhor para por em prática este conceito é também o
de Baucher, mas qual deles ? o da 1ª ou da 2ª fase dos seus ensinamentos ? Ambos,
pois consoante os casos, os processos duma ou doutra serão os preferidos e praticamente
nada há em equitação que o ensinamento total de Baucher não tenha previsto e
aplicado.
Para
estudar o ensinamento profundo deste mestre é indispensável recorrer àquilo que
os seus alunos escreveram, pois se bem que fosse um professor incomparável,
como escritor foi pouco claro, ainda que elegante.
Tem-se
feito isto no que respeita à 2ª fase procurando todos conhecer além da 14ª ed. do
“ Novelle Méthode ”, os livros dos generais L´Hotte e Faverot de Kerbrecht, o
mesmo não se dando com a 1ª hoje pouco praticada, por não se completar o seu
estudo com o conhecimento utilíssimo e indispensável para se formar um juízo do
baucherismo primitivo do “ Traité de Haute École d’Equitation do cap. Raabe de
1863 e do “ Manual d’Equitation de Gerhardt de 1859 que são quanto a nós as
obras que melhor interpretam o “ Novo Método ” nos seus primeiros tempos.
Há
actualmente a triste ideia de que se pode chegar ao ensino do cavalo apenas
seguindo uma progressão à risca, isto é sem que seja necessário empregar os
meios de domínio que por serem poderosos, são de difícil aplicação e daí que
vejamos muitas vezes cavalos amestrados e não ensinados.
Enfim, verificamos que
a 2ª fase do baucherismo é praticada, mas a primeira está quase esquecida e faz
falta. O general Decarpentry compreendendo isto, deixou preparada antes de
morrer a reedição do tratado do cap. Raabe que considera como “ a obra mais
completa e detalhada que se escreveu na nossa literatura equestre ” exactamente
porque a “ progressão ” do seu livro de “ Equitation Académique ” ensinava os
meios necessários ao seu encadeamento “ fora toda a consideração sobre a sua
eficácia e apresentava apenas aquele risco mínimo que a sua aplicação suscita a
fim de evitar os perigos de falhar no ensin0 ”. ( “ Note Liminaire ” do “
Essenciel de la Méthode de Raabe, por Decarpentry ).
Como
grande cavaleiro que foi e como um dos principais doutrinadores da equitação, o
general Decarpentry sentiu de certo que ela se estava a afastar perigosamente
do caminho trilhado pelos grandes cavaleiros franceses e que tenho a certeza
que foi pensando nisto que reeditou, acrescentando-lhe os seus preciosos
comentários, a parte essencial do método de Raabe “ baseado no poder dos
processos que preconiza, mas cujo emprego não deixa de apresentar certos
perigos ”. ( Note Liminaire, Decarpentry ).
A
primeira fase baucherista parece ter caído em desgraça, mas nós que dissemos a
princípio que o sistema de Baucher se aplica na sua totalidade, precisamos de
justificar o infundado da tese que repudia o baucherismo primitivo.
Se
a simples leitura dos livros de Baucher ( as 12 edições do seu “ Nouvelle
Méthode ” ) justificam o receio da sua aplicação por os processos não terem uma
discrição muito minuciosa, o mesmo não se poderá dizer quando estudados nas do
Cap. Raabe e de Gerhardt acima indicadas, em que encontramos o maior cuidado na
progressão a seguir, para por em prática os meios eficazes de domínio de que se
servem.
Todos
concordamos em que os meios fortes de subjugação devem ser cuidadosamente
doseados a fim de não se tornarem perniciosos é isto que Baucher explicou mal
por escrito, transmitiu-o excepcionalmente no seu professorado e é dele que os
discípulos tiraram os ensinamentos que tão metodicamente descreveu nas suas
obras.
Se
temos meios eficazes para dominar o cavalo e ensiná-lo mais rapidamente há que
os usar, mas de certo modo e foi a justa medida na sua aplicação que as obras
de Raabe e Gerhardt nos trouxeram e que infelizmente estão tão esquecidas.
Recordemos
também que outra razão contribuiu poderosamente para o desvirtuamento da
evolução do pensamento de Baucher é que a primeira edição do seu “ Novo Método ”
data de 1842 ora como os editores podiam reeditar a obra sem autorização do
mestre, saíram doze edições sem alterações sensíveis, quando muitos processos
já haviam evoluído na aplicação do ensino ministrado diariamente.
É
claro que a critica insidia sempre sobre a obra escrita, mas o ensinamento
aperfeiçoava-se constantemente e o “ Traité de Haute-École ” de Raabe de 1863 e
o “ Manuel d’Equitation ” de Gerhardt de 1859 representam já a evolução dos
processos baucheristas desprovidos dos muitos defeitos que realmente
apresentavam na sua origem.
Assim
para se falar da 1ª fase de Baucher ( a 2ª fase só aparece na 13 edição de 1869
) não podemos reduzi-la ao estudo do que ele escreveu em 1842 e se repetiu por
doze edições, temos de tomar em consideração as obras dos discípulos que o
ouviram e não esqueçamos que o tratado de Raabe, foi publicado 21 anos depois e
14 anos passados sobre o que L’ Hotte chamou o “ portrait du cheval Baucherisé ”
( pag. 111 “ un officier de Cavalerie ” ).
É
assim à luz daquele que melhor poderemos justificar a realidade do método e fá-lo-emos
atendendo mais a Raabe que a Gerhardt por o livro do primeiro ter sido
reeditado e o outro estar completamente esgotado.
Quais
os meios de domínio descritos ?
Principalmente
as flexões ( a pé e montado ) os efeitos diagonais e o emprego da espora.
As
Flexões
Muito
mal se tem dito das flexões destes autores baucheristas por darem ao chanfro
uma posição aquém da vertical. Como vimos quando falamos do “ ramener ” há
casos em que esta posição é necessária especialmente entre os nossos
peninsulares de frente poderosa, porém não se pense que esta foi a preocupação única
do baucherismo, pelo menos na evolução que os sistemas de RAABE e GERHARDT
traduzem. Este último escreve na pág. 97 e 101 do “ Manuel d’Equitation ” nós
procuramos essencialmente que a cabeça esteja na vertical com o pescoço
altamente colocado. “ Consideramos defeituosa toda a atitude da cabeça que se
afaste da vertical, sobretudo aquém dela ” e o mesmo se pode ler na reedição do
livro de RAABE nas págs. 27, 41, 64, 65, 87 etc.
As
criticas feitas parece terem pouco fundamento à face dos textos, como se vê do
que RAABE escreveu na pág. 81 da reedição : “ O cavaleiro só tem então que
manter o cavalo na mão procurando igualmente mantê-lo nas pernas, deixando o
animal a liberdade de tornar a elevação da cabeça que lhe convém” e a
propósito do animal que arranca as rédeas da mão do cavaleiro, o mesmo autor
ensina na pag. 65 que “ deve fixar a mão sem puxar para si, oporá deste modo
uma barreira que deve impedir o cavalo d’aller au-delá, mais ne ramène pas en
deçà ” isto é não deve deixar que a cabeça venha para aquém da vertical.
Quem
acusa Baucher de dar esta posição ao chanfro na 1ª fase, esquece que não foi
nela mas já na 2ª fase que ensina a obter esta atitude da cabeça por meio do
chamado “ ramener outré ”. A posição aquém da vertical deve-se praticar como
exercício, que conjugado com a posição de chanfro na horizontal acabará por
conduzir ao “ ramener ” perfeito da 2ª fase.
Na
1ª fase não se fala em “ ramener outré ” porque a verticalidade do chanfro é
obtida antes de mais nada e toda a ginástica do post-mão e ante-mão se faz com
a cabeça na posição académica obtida previamente.
Portanto,
a posição aquém da vertical aparece apenas como exercício e não como atitude
definitiva e contrariamente ao que se costuma dizer, esse exercício não é
da 1ª fase mas da 2ª fase, visto as flexões de cabeça alta deste período
não chegarem só por si para a obtenção do “ ramener ” perfeito.
No
livro de BARROIL, discípulo de RAABE, as figuras dos cavalos têm a cabeça na
vertical e a propósito da posição alta que ela deve ter escreve na pág. 83 que “
as barras devem estar à altura do terço superior das espáduas ”.
Claro
que também na 1ª fase a cabeça está aquém da vertical no exercício do “
rassembler ” parado, porém esta posição distingue-se da do “ ramener outré ” da
2ª fase, porque esta afecta só o ante-mão, enquanto aquela que é conjugada com
a entrada dos posteriores é uma flexão de conjunto.
Resumindo,
a posição do chanfro aquém da vertical é tomada como exercício que facilitará o
“ ramener ” perfeito do fim do ensino.
Lembremos
ainda que RAABE não exagera as flexões laterias como tantas vezes é acusado,
pois quando escreve sobre elas, recomenda um “ plácer ” progressivo a fim de
que a encurvação excessiva não obrigue o cavalo a participar com a garupa nessa
acção parcial, que deve incidir apenas na ganacha.
Efeitos
Diagonais
Outro
dos grandes fundamentos da teoria de RAABE é a aplicação dos efeitos diagonais,
pois “ a oposição diagonal da espádua à anca, a que também se chama efeito
diagonal, emprega-se para mobilizar regularmente o cavalo e como nele todos
os movimentos se efectuam agindo os membros diagonalmente é a maneira mais
correcta do cavaleiro fazer a sua exigência e a mais fácil de compreender pelo
animal ” ( Pág 70 ).
(
o autor prova que o cavalo move diagonalmente os seus membros na 1ª ed. do
tratado no cap. da locomoção ).
Contra
a aplicação dos efeitos diagonais levantaram-se muitas críticas, entre os quais
avultam as que dizem, uma que entorta os cavalos, outra que não contribui para
o alargamento dos andamentos.
A
1ª terá razão de ser se o efeito diagonal for entendido como acção simultânea só
de uma perna e só duma rédea, o que não acontece no método de RAABE que, por
exemplo a pág. 72 a propósito da rotação inversa para a esquerda escreve : La
jambé gauche ( perna do mesmo lado ) prés sangles empêche le movement
retrograde et regularise l’action venant de la jambe droit qui est moteur ” e a
propósito da saída a galope para a direita ensina o mesmo autor a pág. 109 “ il
disposera le cheval par l’ effet diagonal droit en faisant primer la jambe
droit ”.
Quanto
à segunda objecção, a de que o efeito diagonal não contribui para o alargamento
dos movimentos, escreve RAABE acerca do trote, pág. 121 : “ Le mécanisme des
aides est le même qu’au pas. L’effet d’essemble prévient, contient, renferme le
cheval. L’effect diagonal allége, dégage, active le bipéde diagonal du même
côte, charge, contient et retient le bipéde opposé.
É a propósito do galope que o emprego das
ajudas diagonais tem sido mais criticado e concordamos que é neste ponto que
mais perigoso ele se torna, visto o animal neste andamento ter já por si a
tendência natural para se encurvar. Baucher na última fase e L’Hotte prescrevem
as ajudas laterais para fazerem as passagens de mão e endireitar o galope.
Salvo
o devido respeito, entendendo com RAABE que o animal se move por diagonais ( dissociadas
ou não ) e por isso, se ele se entortar sobre a diagonal em que caminha, o que
o cavaleiro tem de fazer é actuar com a diagonal contrária, para que ele se
endireite.
Concordo
que a pura ajuda diagonal direita entorta o cavalo na saída ao galope para esse
lado, por isso eu entendo que ela terá de ser compensada com a ajuda diagonal
esquerda que no decorrer do galope obtido talvez se tenha até que tornar em
ajuda predominante.
Duma
maneira ou doutra, tem de haver sempre uma ajuda diagonal – ou para obrigar o
cavalo a sair a galope, ou para endireitar esse galope.
E
como é que os detractores do efeito diagonal procedem ?
Actuando
também com o efeito diagonal simplesmente, em vez de ser o efeito directo é
o efeito diagonal contrário, a fim de compensar a tendência natural do
cavalo para se entortar para o lado em que galopa.
Todos
propunham e nós concordamos que a rédea contrária e a perna do mesmo lado é
que endireitam o animal, mas isto não é senão um efeito diagonal, se bem que
contrário à mão em que o animal galopa.
Baucher
nos últimos ensinamentos aplica este efeito diagonal contrário para ajustar o
cavalo ao circulo em que trabalha – actua com a rédea contrária exterior, com a
perna de dentro do círculo , actuando também com a rédea de dentro por vibração,
para manter a ligeireza. Há pois sempre equitação diagonal, porem nem sempre se
aplica a diagonal directa mas sim contrária.
Fica
assim provado que a aplicação dos efeitos diagonais é lógica e na sua prática
nunca os mestres esqueceram que ela é compensada com a perna do mesmo lado,
como atrás se provou citando RAABE.
O
regulamento das provas de ensino da F.E.I. entende também que o efeito diagonal
liberta a espádua, isto é contribui para alargar o seu movimento e assim
escreve a propósito do “ appuuyer ” : “ uma pequena encurvação permitindo-lhe
olhar na direcção em que se desloca, dá-lhe a graça e contribui para libertar a
espádua de fora ”.
O
aperfeiçoamento do emprego das ajudas diagonais, directa e contrária, leva
RAABE a empregar a primeira para sair a passo, por exemplo e a utilizar a
segunda na paragem. No recuar para a retaguarda em circulo, o mesmo autor actua
com a ajuda diagonal contrária ( pág. 125 do livro de Dcarpentry ).
Os
adeptos da precisão dos movimentos e das ajudas, encontram no método de RAABE a
melhor prova de que ele se pode conciliar com a prática da verdadeira
ligeireza, fim último a atingir pelo método deste mestre.
As
Esporas
Comecemos
por acentuar que o seu uso imoderado constitui o maior obstáculo ao ensino dum cavalo,
mas a sua aplicação correcta e progressiva é o meio mais extraordinário de
ginástica e de domínio.
O
seu emprego é de tal modo importante que, se não forem utilizadas, não chega
sequer haver ensino e se forem empregadas sem método, o falhanço é certo. Há
portanto que aplicar as esporas com uma progressão cuidadosa, para se poder
fazer delas o maior instrumento de domínio que existe.
Foi
decerta maneira pouco progressiva como Baucher descreveu a sua aplicação, que
constitui a principal causa das criticas dirigidas ao “ Novo Método ” levando-o
até suprimir das últimas edições o capítulo dos “ ataques ” porém a necessidade
da sua utilização como instrumento de domínio insubstituível subsiste e
analisando a progressão que Raabe recomenda para o emprego das esporas, os
perigos de que elas foram acusadas deixam praticamente de existir.
Podemos
bem avaliar a importância deste processo, quando levado ao ponto de virtuosismo
em que este mestre o pôs, lendo as pags. 56 os efeitos das esporas assim
explicados : “ provocar a impulsão, animar a acção do cavalo, disciplina-lo,
obriga-lo a vir ao “ ramener ”
cadencia-lo, imobiliza-lo.
Com
todos os perigos que possam apresentar, a sua utilização racional trás tais
vantagens, que não se podemos deixar de estudar a fundo os seus efeitos, sob
pena do ensino dum cavalo resultar num fracasso.
Ainda
aqui a crítica se baseou só nos resultados obtidos por quem lia o método
Baucherista sem nunca o ter visto praticar pelo seu autor e daí que acusarem as
esporas assim empregadas de tornar “ retifs ” os cavalos, sem verem que a
medida do progresso era muito excedida na sua aplicação, o que comprova a
afirmação d’Eugene Caron discípulo da 1ª fase de Baucher falando de “ Novital ”
e da escola de Saumur que este comandava : “ Tous le monde à du sang à ses
éperons. Cependant à Paris, aux leçons de Monsieur Baucher personne n’en a vu
une goutte ”.
Quanto
à impulsão que as esporas apagam, não parece ter sido tão descurada como se
diz, visto que Gerhardt aconselha depois das flexões “ poussés energiques au
maximum de vitesse du galop obtenu le plus tôt possible aprés le depart de pied
fermé ”. ( Decarpentry, “ Méthode de Raabe ”, pág. 148 )
O “
Rassembler ” parado
O
“ rassembler ” parado do baucherismo primitivo também conhecido por comparação,
como o do “ chat qui fait le gros dos ” caracteriza-se pela entrada dos
posteriores até ficarem ao pé das mãos e pela posição baixa do pescoço e
cabeça.
Dizer
mal desta posição como muitos fazem é não compreender quanto é boa para a
ginástica dos posteriores, rins e sobretudo do dorso, confundindo-a com atitude
final depois do cavalo estar arranjado.
O
“ rassembler ” parado é um meio de ginasticar é um exercício e nada mais.
A
maneira desfavorável com que se olha este processo precioso de ensino,
indispensável com certas naturezas, é mais uma achega para o único argumento
verdadeiro que pode condenar o baucherismo primitivo – o emprego dos meios
eficazes de domínio foi a maior parte das vezes exagerado e portanto o ensino
de muitos cavalos fracassou. Porém Baucher não teve culpa disso, o mais
difícil fê-lo ele, dando-nos os meios para ensinar todos os cavalos, mas que
não dispensam da nossa parte a reflexão e a justa medida no seu emprego.
Tenho
visto alguns cavalos bem ensinados pelo processo do “ rassembler ” parado que
não mostram sinais nenhuns dessa posição acidental, no fim do ensino e as
reproduções de Baucher em “ piaffer ” sur “ Partisan ” e “ Buridan ” assim como
em pirueta no cavalo “ Capitaine ” não dão sinais dessa atitude que durante o
exercício do “ rassembler ” parado ele forçosamente os obrigou a tomar.
Fiquemos
pois com a ideia de que ele constitui um meio de ginástica a ministrar com
cuidado, não esquecendo que para o arranjo de muitos cavalos é insubstituível e
que nada tem que ver com a colocação perfeita do animal no fim do ensino, que
tem que ser a mesma por mais diversos que sejam os meios empregados para a
obter.
(
relaciona-se o “ rassembler ” parado com o problema dos seus limites e por isso remetemos para o capítulo
correspondente para se fazer dele um estudo mais aprofundado ).
Por
mais artificial que pareça, o “ rassembler ” parado, tal como acima o
descrevemos é tomado naturalmente pelo poldro que pasta em campo aberto,
como pode verificar-se a todo o momento. Se esta atitude de pés junto às mãos
for praticado no ensino, deve ser não só benéfica, como pouco custosa de obter
no cavalo e daí que não possa ser tomada como “ tour de force ”.
Julgo
ter demonstrado qual deve ser o verdadeiro conceito de Equitação de Escola,
penso ter provado suficientemente que só o Baucherismo integral adoptou esse
conceito, do qual pelo menos em parte se afastam as actividades contemporâneas
da Equitação Académica, entendi dever refutar a má fama que goza a primeira
fase de Baucher para fazer sobressair a necessidade da sua aplicação, desde que
se entenda que a Arte Equestre deve equilibrar e dominar o cavalo e por último
quero afirmar que só a prática de todos os processos inventados durante
a vida pelo insigne criador da equitação moderna, podem levar à compreensão
profunda do que a Equitação de Escola representa como ciência e arte a aplicar
a todos os cavalos.
Foi
para relembrar estas vantagens do sistema de Baucher que escrevemos este
trabalho e se não conseguimos convencer ninguém a culpa foi nossa e não do
maior equitador de todos os tempos.
Confiamos
que o verdadeiro conceito da equitação de escola voltará a brilhar passada a
novidade da fase presente, pois como diz Stravinsky : “ La nouveauté ne saurait
être que la recherche d’une place fraîche sur l’oreiller. La place fraîche se
rechauffe vite et la place chaude retrouve sa fraicheur ”.
1 comentário:
Interessante a análise comparativa das duas escolas ; germânica e latina . No momento presente , faz muito sentido a discussão deste tópico .
Estando ligado ao ensino de competição há várias décadas , como juiz internacional , como treinador e até criador de cavalos de desporto , sinto a necessidade de debate .
Os cavalos evoluíram qualitativamente mais , do que a equitação no plano da alta competição , havendo claros desencontros !
Cumprimentos
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