BEATRIZ COSTA
Não lia a bíblia. O seu livro de cabeceira era a “ Arte de Bem Cavalgar toda a Sela ”. Falava de João Branco Núncio, o grande artista de Alcácer, com o mesmo respeito e admiração com que eu falo de João XXIII… Tratava a esposa por « minha égua de raça » e as filhas eram as « potrancas ». O único burro daquela cocheira era o filho. Só se referia a ele por « aquele jerico que lá tenho no picadeiro ». Estava sempre a ameaçar de lhe « por as rédeas mais curtas »…
Usava um alfinete de gravata em feitio de ferradura e um anel de ouro com o ferro de um lavrador seu amigo, que se divertia à grande com esta sua mania cavalar. Andava sempre de calção chantilly e botas altas, sem esquecer o pingalim. No clube tauromáquico chamava o « groom » e dizia-lhe : « Vai a trote à tabacaria e traz-me um maço de cigarros ».
Quando se atrasava e chegava a casa com a família já sentada à mesa, comentava : « Com que então, já está tudo de alcofa aos queixos..». Só bebia água do Vale de Cavalos e ao pequeno almoço comia sopas de cavalo cansado…
Tinha um criado a quem chamava o seu « tratador ». Um dia chamou o bom homem e disse-lhe muito zangado : « José, não foi este o arreio que eu pedi para hoje. Traga-me o fato azul ». Este José era de Abrantes, que é terra de gente boa.
Um dia pediu o doce que o seu paladar exigia. A « égua de raça » desculpou-se : O doce acabara. Relinchou três vezes, chamou o paciente servidor da terra do Chico Mata e pediu-lhe : « José, faça favor de telefonar com urgência para a sua mãe. Ela que nos mande mais palha ! ». Ia diariamente à Praça do Comercio e perdia horas a admirar « cá por baixo » o cavalo do D. José. Aquilo é que era paisagem, como hoje não se vê ! Quando visitou a Itália, perdeu-se por Veneza. Aqueles quatro cavalos bizantinos da torre da catedral foram o máximo que viu em beleza do seu gosto. De passagem foi a Valença ( na Espanha ) e correu à Câmara Municipal, para ver o Franco montado no « cavalo branco de Napoleão » ( ou seria o dele ? ). Durante um inverno na quinta, leu « Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse ».
Não era o que se chama um grande « reprodutor » mas, quando via uma cabeça com um rabo de cavalo, vibrava e dizia : « Isto é que é mulher ! ». Só ia à opera nos dias em que era cantada a Cavalaria Rusticana.
Quando uma filha ficou noiva de um aristocrata de título comprado, embandeirou em arco e participou aos amigos : « A minha filha Laura vai casar com um « puro sangue » ! casa melhor do que a outra, que se ligou àquele « garanhão » do Ribatejo e anda sempre prenha. Já vai em cinco potrinhos...
Quando falava dos filhos dizia piscando o olho azul : « Foram três saltos bem dados ! ». Um dia deu-lhe o « badagaio » e pela primeira vez foi ao médico. Diagnóstico grave. Operação urgente. Pediu um uísque « Cavalo Branco » e entrou na sala de operações. Antes da anestesia, olhou o cirurgião e perguntou-lhe : « Ó doutor é que é o veterinário ? Sabe quem eu sou ? » - « Sim, tenho a impressão que já o vi no Campo Pequeno montado pelo João Núncio…». Fez um sorriso feliz de homem realizado. Fechou os olhos e nunca mais acordou….
Invento Português que permitia usar o cavalo como força motora sempre que a gasolina acabava ( 1943 )
Auto-Hipo com combustível
Auto-Hipo sem combustível