François Baucher - Terceira Maneira





Henrique Salles da Fonseca (esboço de piaffer – Uruguai)


Tenho a informar quem me lê que, para mim, a equitação de verdadeira finura começou com Baucher - por exemplo, com o desaparecimento daqueles freios medonhos que até então se usavam.

François Baucher escreveu sobre os seus métodos de equitação que incidiram sobre duas fases fundamentais da sua própria vida física: antes e depois de ter partido as pernas. Ficaram conhecidas pela «première manière» e pela «deuxième manière» que é como quem diz em português, a «primeira maneira» e a «segunda maneira».

E Baucher só descreveu essas duas maneiras; a terceira é invenção minha.

Super resumidamente, a primeira maneira assenta na anulação das resistências do cavalo através das flexões; na segunda, Baucher propõe a gestão do equilíbrio do cavalo através do peso do próprio cavaleiro (como se sentado sobre uma bola). Em ambas as maneiras, Baucher começa pela elevação máxima do pescoço do cavalo seguindo-se a flexão da nuca, atitude que considera causa de todo o ensino; o contacto da mão do cavaleiro com a boca do cavalo deve ser esporádico (rédeas bambas).





Nuno Oliveira começou por ser baucherista mas rapidamente evoluiu porque cedo se apercebeu que por ali não iria a lado nenhum, com cavalos de dorso invertido, com pouca (ou nenhuma) vontade de andarem para diante e sem um rumo certo.

A grande diferença está em que o que Baucher considerava causa (colocação alta pela elevação máxima do pescoço), Oliveira considerava consequência. O mesmo se diga da tensão nas rédeas: o ínfimo contacto é uma consequência do ensino, não uma causa nem tampouco um objectivo.

Relativamente às flexões, enquanto Baucher começava por «partir» o cavalo em várias partes e o torcia de diversos modos, Oliveira flexionava alguns cavalos - apenas para lhes sugerir que soltassem os ferros na boca e para verificar se o cavalo conseguia dobrar o pescoço para um dos lados ou se isso lhe doía - e tomava-os como um todo para que uma resistência pontual não migrasse para outro lado qualquer. 

Realmente, o cavalo deve começar por aprender a gerir o seu próprio peso (donde, os trabalhos à guia e em liberdade com rédeas altas ou baixas ao cilhão para mera orientação supletiva da atitude do pescoço), para que de seguida aprenda a gerir o seu próprio peso acrescido do do cavaleiro. E, claro está, para diante é que é o caminho…

Só depois de o cavalo ser capaz de gerir o peso (seu e do cavaleiro) é que a pouco e pouco se lhe poderá ir pedindo a elevação do pescoço. Para isso servem todos os exercícios da baixa escola que lhe descontraem o dorso e, como consequência, a maxila. Por exemplo, a espádua-a-dentro.

O cavalo deverá estar calmo (para não despejar o cavaleiro), ligeiro (habituar-se a responder pronta e suavemente às mais pequenas indicações do cavaleiro) e deve ter permanente vontade de avançar. Se possível, que esteja direito; se não, devemos exercita-lo de modo a que se endireite o mais possível. Nomeadamente, a espádua-a-dentro. E para endireitar o cavalo, sugere-se uma vistoria veterinária prévia nos campos da fisiatria e da osteopatia para, de seguida, se poder escolher o conjunto de exercícios que o cavalo possa suportar e que contribua para a desejada simetria. (Esta vistoria já é da minha lavra, Oliveira não a referia; mas no seu tempo, a medicina veterinária não estava evoluída como hoje).

Enquanto Baucher desprezava a espádua a dentro, Oliveira praticava-a de forma constante e, essa sim, a base de todo o ensino e o modo mais natural de anular as resistências do cavalo tomado como um todo e em andamento.

A nossa espádua-a-dentro pode ser feita de diversas formas: direito (duas pistas), em três ou em quatro pistas.

Eis ao que chamo a «terceira maneira de Baucher», aquela que, baseando-se na atitude geral da mão do cavaleiro baucherista, evoluiu num sentido pragmático e não se contenta com platonismos nirvânicos. 

Tudo, no pressuposto baucherista da segunda maneira de que as pernas do cavaleiro servem de complemento pontual (jamais de pressão contínua) na gestão do centro de gravidade nos exercícios laterais e que é com o assiette que se empurra o cavalo para diante. As esporas e a focinheira são decorativas e as cravaches (duas) são indicativas. Embocadura de freio e bridão, mão aparentemente quieta na vertical do garrote.

As rédeas de abertura ficaram lá para trás, no desbaste.

Se o cavalo estiver calmo, ligeiro, para diante, direito e equilibrado numa relativamente reduzida base de sustentação, está ensinado; se faz muitos, poucos ou nenhuns exercícios espectaculares, isso apenas significa que está mais ou menos «adiantado» nos ares a que há quem chame circenses. 

Eu acho que a «terceira maneira» é definitiva na história da equitação erudita. E por que é que a associo ao Mestre Nuno? Porque foi ele que conheci pessoalmente e foi ele que ma ensinou durante os 10 anos que, como seu discípulo frequentei o seu picadeiro.

E «au plaisir des chevaux», continuemos nós também a ter o prazer da equitação…








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